Dito
já que começaram as iniciativas que visam
registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei
pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um
parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo
dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam
a Biblioteca da Casa.
Para sublinhados saramaguianos, peguei na
peça Don Giovanni ou o Dissoluto
Absolvido.
Não foi por acaso.
Disse ontem que iria deixar repousar O Amor Possível, a longa conversa entre
José Saramago e Juan Arias, mas volto porque ao folhear o livro fui ter às
palavras que Saramago escreveu como eventual explicação da peça:
«Se há uma ópera no mundo capaz de
pôr-me de joelhos, rendido, submetido, é esta».
Na conversa com Arias, Saramago diz:
«Como te dizia há um momento, agora
estou a pensar assim, mas amanhã, no momento da minha morte, tudo poderia
acontecer, inclusive que negue tudo o que acabo de afirmar. Mas isso não
significa, nem significará nunca que tenha razão então. Estive a ouvir antes
Don Giovanni de Mozart e tem oito minutos de música que, para mim, nunca será
superada. Refiro-me ao último acto, quando aparece a Don Giovani a estátua do
comendador. O comendador exige-lhe que se arrependa, senão leva-o para o
inferno. Para mim Don Giovanni é uma ópera melhor do que Parsifal, com toda a
sua mística, é a grande ópera e a grande música. Don Giovanni, que é um
canalha, um enganador, um tipo desprezível, diz que não, que não se arrepende,
e isto é uma lição de dignidade: eu errei, mas o que significa dizer que me
arrependo? Não posso apagar todos os males que causei durante a minha vida, as
vítimas estão aí, dizer que me arrependo é demasiado fácil.»
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