16 de Março de 1992
Nunca dancei. Vi os outros dançarem, em
terraços voltados para o mar, no chão de areia de África ou do Brasil, em
clandestinos infernos de bares de marinheiros ou em inflamadas discotecas de
praia turísticas, vi-os e julguei-os felizes, esquecidos e voláteis, perdidos e
enovelados numa bola de fogo, mesmo se às vezes os pares se rompiam e ela vinha
sentar-se a chorar, e então eu pensava que ainda havia palavras que podiam
funcionar como carícias, que eu sabia dizê-las, palavras redondas, encostadas à
face magoada e triste. Também dancei sem que os outros soubessem que eu
dançava, mas dancei fora da dança, porque dançava para mostrar que também
dançava, e lembrava-me disso em cada passo, e nunca esquecia que era o meu
próprio corpo que dançava, e nunca soube dançar sobre o esquecimento do corpo,
nunca ninguém dançou sobre o meu corpo como se fosse a areia da praia ou um
terraço voltado para o mar, nunca ninguém que eu sentisse os dois esquecidos de
mim.
Pouco a pouco, aprendi a olhar a arte da
dança, e passei noites inteiras no deslumbramento de os ver, sem palavras úteis
que me explicassem o que ali se passava à minha frente. Era apenas ficar
sentado com os olhos colados ao vidro de um mundo outro em que os corpos se
multiplicavam como estrelas no momento preciso em que ainda não se tinham
tocado, mas já começavam a precipitar-se uns para dentro dos outros. Eles
dançavam, esplêndidos, gloriosos, e eu ao vê-los sei que nunca dancei.
Eduardo Prado
Coelho em Tudo O Que Não Escrevi, Volume II
Sem comentários:
Enviar um comentário