sábado, 20 de novembro de 2021

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam a  Biblioteca da Casa.

Quando falei em sublinhados saramagueanos, deveria ter acrescentado que a ideia era também entrar pelos livros sobre José Saramago , também pelas inúmeras entrevistas que deu, algumas em papel de revista ou jornal, algumas já coligidas em diversos livros.

A paragem dos sublinhados de hoje situa-se no livro Por Saramago em que Anabela Mota Ribeiro reúne peças jornalísticas em que combina entrevistas, reportagens, crónicas.

«Do conjunto dos textos forma-se a imagem de um escritor que confia no pensamento, na dimensão ética e no inconformismo como ferramentas emancipadoras para combater os dogmatismos e disputar o sentidos da vida e do humano.», escreve a jornalista no prefácio do livro.

E passemos aos sublinhados:

Se for ali na rua com o seu marido. Noivo, irmão, a sua mãe, e se você, ou um deles, lhe pusera a mão no ombro, esse gesto tão simples pode comover-me. Não estou a falar do abraço erótico. O abraço, os braços que rodeiam o corpo, essa proximidade entre dois seres, comove-me. Comovem-me as grandes tragédias, silenciosas ou não. Sou realmente uma pessoa sensível. A gente com a idade torna-se mais frágil, está tudo à flor da pele, ao contrário daquilo que se crê, que com a idade se endurece. Pelo menos, não é o meu caso.

(Página 27)

Limito-me a dizer aquilo que penso. Se tenho algum motivo de orgulho, e creio que tenho direito a tê-lo, é poder dizer que a mim não me calam. Ninguém me cala.

No outro dia estava na Itália e disse, com grande escândalo do Vaticano, que achou que ra uma provocação infame, mais uma da minha parte, que o mundo seria mais pacífico se Fôssemos todos ateus.

(Página 36)

Houve dois momentos na minha vida que decidiram tudo. Um deles, não muito consciente, foi o facto de ter deixado de escrever depois de ter escrito Terra do Pecado e Claraboia, Durante 20 anos, quase não escrevi. Só voltei a publicar em 1966.

O segundo momento foi em 1975, quando, depois do 25 de Novembro, fiquei sem trabalho e sem esperança de o conseguir. «E agora, o que é que eu faço? Tenho aí alguns livros, mas não tenho uma obra, é agora ou nunca.» Durante cincou ou seis anos, talvez sete, vivi de traduções, ao mesmo tempo que is escrevendo o Manual de Pintura e Caligrafia, e o Objecto Quase. A sorte foi que o Círculo de Leitores me tivesse convidado para escrever uma Viagem a Portugal, em 1979-1980. Foi bem pago, deu-me uma estabilidade económica que me permitiu afrontar durante um ano ou dois o trabalho da escrita sem estar a pensar que tinha que ganhar dinheiro – ele já estava ganho.

O Eduardo Lourenço tem uma explicação mais simples para tudo isto: «A tua vida é um milagre». E ficámos por ali, não havia mais nada a dizer.

(Página 38).

Sem comentários: