Dito
já que começaram as iniciativas que visam
registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei
pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um
parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo
dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam
a Biblioteca da Casa.
Quando falei em sublinhados
saramagueanos, deveria ter acrescentado que a ideia era também entrar pelos
livros sobre José Saramago , também pelas inúmeras entrevistas que deu, algumas
em papel de revista ou jornal, algumas já coligidas em diversos livros.
A paragem dos sublinhados de hoje situa-se no livro Por Saramago em que Anabela Mota Ribeiro reúne peças
jornalísticas em que combina entrevistas, reportagens, crónicas.
«Do conjunto dos textos forma-se a
imagem de um escritor que confia no pensamento, na dimensão ética e no
inconformismo como ferramentas emancipadoras para combater os dogmatismos e
disputar o sentidos da vida e do humano.», escreve a jornalista no prefácio do
livro.
E passemos aos sublinhados:
Se
for ali na rua com o seu marido. Noivo, irmão, a sua mãe, e se você, ou um
deles, lhe pusera a mão no ombro, esse gesto tão simples pode comover-me. Não
estou a falar do abraço erótico. O abraço, os braços que rodeiam o corpo, essa
proximidade entre dois seres, comove-me. Comovem-me as grandes tragédias,
silenciosas ou não. Sou realmente uma pessoa sensível. A gente com a idade
torna-se mais frágil, está tudo à flor da pele, ao contrário daquilo que se
crê, que com a idade se endurece. Pelo menos, não é o meu caso.
(Página 27)
Limito-me
a dizer aquilo que penso. Se tenho algum motivo de orgulho, e creio que tenho
direito a tê-lo, é poder dizer que a mim não me calam. Ninguém me cala.
No
outro dia estava na Itália e disse, com grande escândalo do Vaticano, que achou
que ra uma provocação infame, mais uma da minha parte, que o mundo seria mais
pacífico se Fôssemos todos ateus.
(Página 36)
Houve
dois momentos na minha vida que decidiram tudo. Um deles, não muito consciente,
foi o facto de ter deixado de escrever depois de ter escrito Terra
do Pecado e Claraboia, Durante 20 anos, quase não escrevi. Só
voltei a publicar em 1966.
O
segundo momento foi em 1975, quando, depois do 25 de Novembro, fiquei sem
trabalho e sem esperança de o conseguir. «E agora, o que é que eu faço? Tenho
aí alguns livros, mas não tenho uma obra, é agora ou nunca.» Durante cincou ou
seis anos, talvez sete, vivi de traduções, ao mesmo tempo que is escrevendo o Manual
de Pintura e Caligrafia, e o Objecto
Quase. A sorte foi que o Círculo de
Leitores me tivesse convidado para escrever uma Viagem a Portugal, em 1979-1980. Foi bem pago, deu-me uma
estabilidade económica que me permitiu afrontar durante um ano ou dois o
trabalho da escrita sem estar a pensar que tinha que ganhar dinheiro – ele já
estava ganho.
O
Eduardo Lourenço tem uma explicação mais simples para tudo isto: «A tua vida é
um milagre». E ficámos por ali, não havia mais nada a dizer.
(Página 38).
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