Dito
já que começaram as iniciativas que visam
registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei
pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um
parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo
dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam
a Biblioteca da Casa.
Como os tempos são de eleições, nos
partidos da direita, para novo governo no próximo ano, peguei hoje em Folhas Políticas, publicado por José
Saramago em Novembro de 1999 e que reúne uma selecção de crónicas políticas que
o autor publicou em jornais e revistas a partir de 1976.
Algumas delas já mereceram abordagem no
tempo em que o Partido Socialista, apoiado pelo PCP e pelo BE, conseguiu formar
um governo que destronou a direita ultra liberal de Passos Coelho e Paulo
Portas.
Foram tempos de alguma esperança, aquela
esperança que, desde a primavera marcelista, nos invade volta e meia.
Mas que poderíamos esperar do Partido
que se diz Socialista e que, a seu tempo, Mário Soares arrumou numa gaveta?
Quando Ferro Rodrigues, em entrevista ao Público de 16 de Novembro de 2014,
bolsava isto: «nós não sabemos o que vai acontecer à esquerda "entre
aspas" – digo sempre "entre aspas" porque não acho que haja
forças mais à esquerda que o PS», poderíamos
esperar algo mais do que aquilo que aconteceu?
E estes são
os sublinhados que escolhemos:
«…segundo entendo, a questão da Esquerda,
logo a questão do Socialismo, tem de passar por uma definição do partido
Socialista no que toca ao lugar que ocupará (ou não) na futura luta, ou, se a
linguagem parecer demasiado bélica, no futuro empenhamento das forças de
Esquerda. A grande responsabilidade do partido Socialista tem sido a de
paralisar, pela sua contradição interna, a irrecusável definição: é possível,
por isso, afirmar que, no sentido mais rigoroso do termo, o Partido Socialista
adiou o Socialismo. Porque o adiou dentro de si próprio.»
(Página 14)
«Encontremo-nos, pois, e confrontemos.
Sabendo cada um o lugar que ocupa, agora, no sector da esquerda que for o seu,
sem subvalorização do que, efectivamente, esse sector representar como
expressão colectiva. E tenhamos em vista que o objectivo é o Socialismo. A
esquerda não é um fim em si, um modo vitimizante ou triunfalizante de estar no
mundo: é uma estrutura, um instrumento, uma organização. Que, como todas as
coisas, serão julgados pelos resultados. E nós de caminho.»
(Página 16)
«Sem dúvida que foi a vontade popular,
tomada em termos aritméticos, voto por voto, que fez do Partido Socialista
(continuemos, para sua vergonha, a escrever a palavra por extenso) partido de
governo e governo: mas não é contra o povo e, portanto, contra a vontade dele
(a não ser que os portugueses sejam irremediavelmente masoquistas) que o
governo do Sr. Mário Soares tem vindo a governar, praticamente desde que este
celebrado socialista se sentou na principal cadeira do conselho de ministros.
Já foi mil vezes escrito, já foi mil vezes denunciado que o Partido Socialista
está a governar contra especificações essenciais da Constituição, e portanto
contra o povo que elegeu os que a redigiram: evitemos, portanto, as repetições.
Quando na semana passada falei de oportunismo e traição, não estava com certeza
a pensar no PPD e no CDS, coerentíssimos partidos que sabem tão bem o que
querem, que até sabem levar o Partido Socialista a fazer o que a eles convém.
Cada um na sua altura e segundo o seu interesse. Nisso, o Partido Socialista
tem óptima boca.
Mas onde as coisas atingem o delírio,
onde as palavras, coitadas delas, são magnificamente conspurcadas, é quando se
fala de dignidade da pessoa humana e de soberania. As palavras, meu caríssimo e
único leitor, são infelizes, não podem defender-se de quem lhes troca o
sentido, de quem não se sente obrigado a respeitá-las, precisamente porque é
mínimo ou nulo o seu respeito pela pessoa humana. Falar em dignidade em
Portugal, quando todos os dias se aprovam leis contra o povo, quando a polícia
espanca e vem depois esconder a mão, negar que tivesse espancado, quando a
subserviência se instalou nos corredores do poder, começa por ser indignidade e
acaba por ser perda de sentido moral. O nosso país atravessa uma crise
económica gravíssima, toda a gente o sabe. E também vive uma profunda crise
moral, mas essa crise, ao contrário do que se quer fazer acreditar, não tem os
seus mais elevados expoentes nem na droga, nem na criminalidade, nem na
prostituição: paira mais alto e tem piores consequências.»
(Página 23)
«Não
vou reclamar a liquidação do Partido Comunista. Isso não faço. Cá por coisas: é
uma gente com que me tenho dado bem, conheço-os há muito tempo e, para trabalhos.
Já lhes basta.»
(Página 44)
«Neste
circo, onde nem sequer faltam os palhaços, agitam-se as figuras de carnaval que
são os políticos burgueses: o povo que paga e repaga o bilhete e todas as
facturas, tem esta fraude como espectáculo. Porque o circo não presta e o pão
já vai faltando.»
(Página 59)
«Cerremos
fileiras, ou o imperialismo vencerá esta batalha. A felicidade não é para
amanhã, já sabemos, mas a infelicidade pode ser hoje mesmo.»
(Página 81)
«Fala-se interminavelmente de
cultura, mas não se vive a cultura. Comemoram-se os escritores que morrem, mas
nada se faz para garantir a actividade dos vivos. Se um escritor, por
desespero, deixou de escrever, ninguém lhe vai perguntar: «De que precisas para
trabalhar?» Dão-se palmas benévolas aos escritores que envelhecem, mas
condenam-se ao silêncio os escritores que nascem. Afirma-se que a cultura é uma
e nacional, mas impede-se, ou dificulta-se, ou menospreza-se a sua divulgação
nos meios de comunicação social. Apregoa-se o pluralismo, fomenta-se a letra
única. Teoriza-se o consenso, pratica-se a excomunhão.»
(Página 111)
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