sexta-feira, 16 de julho de 2010

FOLHAS POLÍTICAS


Folhas Políticas
1976-1998

José Saramago
Editorial Caminho, Lisboa, Novembro de 1999

De José Saramago sabemos as opiniões políticas de antes do 25 de Abril, também as opiniões naquele Verão Quente de 1975.

Por Julho de 1977, José Saramago, passa colaborar no semanário “Extra”, com uma coluna de opinião a que chamou “Novos Apontamentos”

A “Caminho” convence-o a reunir em livro esses textos, juntamente com outros, que Saramago foi publicando em diversos jornais e revistas. Como habitualmente não se mostrou muito receptivo à ideia, pois não via qualquer interesse em “revolver uma poeira que ninguém, qualquer que seja o espaço partidário, em que se situa ou em que se veio situando desde então, parece interessado em levantar do mofo da nossa história política recente.”

Não conseguiu resistir e, depois de ligeiras rectificações em alguns textos, de não ter incluído outros textos que escreveu, o livro acabou por sair e chamou-lhe “Folhas Políticas” (1976-1978).

Não quis, porém, em pequena nota explicativa, deixar de advertir:

“Não vai faltar quem me acuse de que alguns destes textos são desapiedados e injustos, que, tendo sido já politicamente inoportunos e impertinentes na própria época em que foram escritos, muito mais o vêm a ser agora, e que, argumento final, não é atitude das mais prudentes e sensatas da minha parte, considerando que todos temos os nossos «telhados de vidro», reabrir as chagas que o tempo, melhor ou pior, teve a caridade de cicatrizar. Disso, como do resto, pensará cada um o que quiser, e por isso responderá.

Em todo o caso, creio que estas Folhas Políticas, de cuja honradez cívica não reconheço a ninguém o direito de duvidar, levam dentro verdades suficientes para que sejam capazes de defender-se sozinhas, sem ajuda.Nem sequer a minha”.


Dos textos que José Saramago entendeu não publicar neste volume, inclui-se uma crónica publicada no “Extra “de 15 de Setembro de 1977. 


Intitulou-a “A Festa” e reproduzo, aqui, os dois primeiros parágrafos:

Se o leitor é comunista, leia. Se é socialista (convicto ou desiludido), leia. Se está em qualquer lado da esquerda, nessa pulverização que só nos faz mal a todos, por que não lerá? E se é da direita (ou da fraude chamada centro, que direita é) também nenhum mal lhe fará passar os olhos por esta prosa. Não por ser minha (Não sou homem de vaidades assim, mesmo que não me faltem outras), mas porque tudo quanto for dito sobre a matéria de hoje ainda será pouco, e eu só ajudo. Claro que a ressalva se dirige igualmente a quantos leitores pela esquerda se arrumem e tenham olhos para ver, entendimento para julgar e boa-fé para não cair na injustiça.
Falo da festa, assim escrevendo a palavra simplesmente, sem a retórica da maiúscula, porque foi uma grande vitória e das grandes vitórias só se deve falar com simplicidade. Falo do verdadeiro plebiscito que representou o ajuntamento de meio milhão de pessoas numa terra que há dois meses era mato, lixeira e desolação. Falo da alegria, da fraternidade, da gentileza, falo SOS sorrisos maravilhados e maravilhosos que as pessoas mostravam umas às outras e talvez a si próprias. Falo de um povo tantas vezes acusado de grosseiro, de mal educado, de inculto ( pois claro), de analfabeto (ora essa), e que durante três longos breves dias comemorou no Vale do Jamor a grande festa da amizade, do respeito mútuo e da sensibilidade. Falo de uma gente que é costume do Governo insultar agora de preguiçosa, de relapsa ao trabalho, e que ali demonstrou, com o esforço de todos os músculos do corpo e do espírito (o espírito tem músculos, sim senhor, ai dele se não os tivesse), uma capacidade de trabalho e de imaginação que irremediavelmente faltam às cansada comemorações oficiais ou oficiosas de qualquer coisa, sela ela vaga, onda ou bochecho. Falo de pessoas que trabalham se acreditam no que fazem, mas que com legitimidade se interrogam sobre o destino da riqueza que produzem e que não querem continuar a ser os provedores da bolsa de capitalistas e latifundiários. No que, digo eu, fazem muito bem.”

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