quarta-feira, 21 de julho de 2010

DON GIOVANNI


Don Giovanni ou O Dissoluto Absolvido

José Saramago
Editorial Caminho, Lisboa, Março de 2005

José Saramago considera “Don Giovanni” de Mozart uma ópera capaz de o pôr “de joelhos, rendido, submetido.”

Ao desafio de Azio Corghi para a escrita de um libreto, José Saramago dá a volta ao mito de Don Giovanni, humanizando-o e apresenta um sedutor seduzido, explicando no “Prólogo”, que antecede a peça:


“Comecei por argumentar que sobre as malas-artes de Don Giovanni tudo havia sido dito, que não valia repetir o que outros já tinham feito melhor, que qualquer coisa que escrevesse seria o mesmo que chover no molhado, etc…. Era certo que sempre havia pensado que Don Giovanni não podia ser tão mau como o andavam a pintar desde Tirso de Molina, nem Dona Ana e Dona Elvira tão inocentes criaturas, sem falar do Comendador, puro retrato de uma honra social ofendida, nem de um Don Octávio que mal consegue disfarçar a cobardia sob as maviosas tiradas que no texto de Lorenzo da Ponte vai debitando. Azio Corghi insistiu, e então, em desespero de causa atraído pelo desafio, mas ao mesmo intimidado pela responsabilidade da empresa, disse-lhe que se ocorresse uma ideia, uma ideia boa, o intentaria. Passou o tempo, meses. Azio perguntando, e finalmente a ideia surgiu. Suspeito agora de que não será tão boa quanto ao princípio me tinha parecido, mas o resultado aí está. O pano já pode subir. Faltará a música, que é sempre o melhor de tudo. Oxalá o leitor possa escutar, chegando bem o ouvido à página, aquela outra música que as palavras têm e que estas talvez não talvez não tenham perdido por completo.”

Urbano Tavares Rodrigues:


“Um humor constante, uma ligeireza de gestos, palavras e ditos de espírito que ultrapassa a habitual ironia trágica de José Saramago, para nos proporcionar um divertimento inteligente, são os traços dominantes desta curta peça de teatro, aliás libreto para a música da ópera de Ázio Corghi, inspirada (contestando-a briosamente) no sublime Dom Giovanni de Mozart. Mais uma vez José Saramago tira da sua cartola mágica duas ideias astuciosas, em que mais ninguém pensou nem pensaria: a de que o sedutor impenitente não será castigado e o porquê dessa alteração da história, que reside na estratégia do roubo do livro (que denuncia os nomes de todas as vítimas do seu furor erótico) e a prostração que tal quebra na aura do supremo conquistador vai operar, permitindo a Zerlina dele fazer, num grande golpe de teatro, o seu amante monogâmico.”

“Don Giovanni: Que queres que faça contigo?
Zerlina: É tempo de que eu te conheça e me conheça a mim.
Don Giovanni:: E Masetto?
Zerlina: Não amo Masetto, amo-te a ti.
Don Giovanni: Tremem-me as mãos. Este não é Don Giovanni
Zerlina: “Este é Giovanni, simplesmente. Vem
(Saem abraçados. A estátua do Comendador cai desfeita em pedaços.)

Masetto em conversa com Leporello, pergunta por Zerlina
Leoporello: Se está cá, não a vi entrar.
Masetto: Fala claro. Está ou não está?
Leporello: Já respondi. Ajudei a levar daqui o corpo de Don Octávio, que Don Giovanni matou em duelo. Não posso jurar sobre o que se passou durante a minha ausência.
Masetto: Então é verdade que Zerlina está aí dentro?
Leporello: Talvez sim, talvez não. Já te disse que não sei. Mas se ela está onde decidiu, então, caro Masetto, tira o sentido dela, não lhe tornarás a tocar nunca mais.
Masetto: Hei-de vingar-me
Leporello: Não vale a pena, Masetto, não percas o teu tempo. Deus e o Diabo estão de acordo em querer o que a mulher quer.”


O livro completa-se com um posfácio, onde a musicóloga Graziela Seminara, conta a entusiasmante aventura que se desenrola entre José Saramago e Azio Corghi ,durante a feitura de “Don Giovanni Ou O Dissoluto Absolvido”.

Uma história que merece ser conhecida, e que a autora, aquando da representação da ópera no "Teatro alla Scala" de Milão, escreveu para ser incluída no programa.
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