segunda-feira, 18 de abril de 2022

OS CLÁSSICOS DO MEU PAI


Petite Fleur é uma lindíssima e apaixonada música.

Aquele clarinete de Sidney Bechet é para nos acompanhar por uma vida.

Eu já me tinha esquecido, mas o Luís Miguel Mira fez o favor de refrescar o que metade do meu cérebro já mantinha quase desaparecido.

Havia na casa do meu pai um EP da Vogue de Petite Fleur, gravado ao vivo. Toda a capa era Bechet e o seu clarinete, num concerto em Paris, talvez  de Março de 1952. Quando se colocava a agulha do pick-up, que ao lado do rádio Blaupunkt convivia no móvel desenhado e feito pelo meu pai, na faixa certa, ouvia-se Bechet dizer: «et maintenant Petite Fleur» e aquele clarinete envolvia toda a casa.

Naqueles tempos comprar discos não era coisa fácil. Havia a Valentim de Carvalho, mais tarde a Melodia, a Universal, a Discoteca do Carmo e espalhadas pela cidade uma série de casas de elctrodomésticos que vendiam discos.

Alguém terá dito ao meu pai para comprar o disco, como mais tarde lhe disseram para comprar o Volare no azul pintado de azul do Dean Martin, Domenico Modugno só o comprou muito depois.

Como referência musical, o meu pai só na música clássica tinha os seus favoritos e alinhamentos. O jazz apenas pela casa entrou com o Louis Armstrong, um/dois discos, o Paul Robeson e esse EP do Sidney Bechet.

Esse EP, como tantos outros discos não entrou na Biblioteca da Casa.

Durante anos e anos procurei-o pela Feira da Ladra e nunca o encontrei. Tão pouco o consigo encontrar na internet. O disco mais velho de Petite Fleur que se encontrou é o que ilustra o texto doMiguel.

Há dezenas de versões cantadas de Petite Fleur.

Se o meu por aqui andasse, diria que Petite Fleur não é para ser cantada, única e exclusivamente tocada, e apenas pelo clarinete de Sydney Bechet.

Danielle Darrieux que nos deixou, em 2017, com 100 anos e alguns meses, talvez o encontre ao balcão de um qualquer bar a whiskar, e lhe diga qualquer coisa, por exemplo, que já tem idade de se deixar de teimosias.

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