O grande passatempo destes fregueses do bar parece ser
as apostas: apostas sobre os mínimos acontecimentos do dia a dia. Por exemplo,
um diz: «Vamos apostar quem chega primeiro hoje aqui ao bar: o doutor Marne ou
o comissária Gorin?». E outro: «E o doutor Marne quando chegar, para não
esbarrar com a ex-esposa, o que vai fazer: pôr-se a jogar flipper ou a
preencher o totobola?»
Numa existência como a minha, não se pode fazer
previsões: nunca sei o que me pode suceder na próxima meia hora, não consigo
imaginar-me com uma vida toda feita de reduzidas alternativas bem limitadas,
sobre as quais se pode fazer apostas: ou assim ou assado.
- Não sei – digo em voz baixa
- Não sei o quê? – pergunta-me ela.
É um pensamento que creio poder também dizer e não
guardá-lo só para mim como faço com todos os meus pensamentos, dizê-lo à mulher
que está aqui ao meu lado ao balcão do bar. A da loja de peles, com quem há um
bom bocado me apetece meter conversa. – É assim, aqui na terra?
- Não, não é verdade – responde-me e eu já sabia que
me responderia assim. Aforma que não se pode prever nada, tanto aqui como em
toda a parte: é certo que todas as noites a esta hora o doutor Marne fecha o
consultório e o comissário Gorin acaba o seu turno de serviço na esquadra da
polícia, e passam sempre por aqui, primeiro um ou outro, mas não quer dizer nada!
- No entanto, ninguém parece duvidar de que o doutor
tentará evita a ex-senhora Marne – digo-lhe.
- A ex-senhora Marne sou eu – responde ela. – Não ligue
ao que dizem.
Italo Calvino em Se Numa Noite de Inverno Um Viajante
Legenda: pintura
de Édouard Manet
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