O Passo da Serpente
Baptista-Bastos
Capa: Manuel Augusto
Prelo Editora,
Lisboa, 1965
Naquela tépida madrugada ele entrou numa cabina telefónica. As suas
ideias repousavam em sentimentos vários e um cão olhou-o do lancil por ode
caminhava cautelosamente. Agora, procurava a dádiva das fraternidades antigas.
Ouviu o telefone e viu as folhas velhas das árvores de Setembro.
- Amo-te – disse.
- Bebeste outra vez. Porque não vais deitar-te? – disse a mulher.
- Amo-te. Bebi um pouco mas amo-te – repetiu.
Começava sempre ao fim da tarde: um sentimento de inutilidade e de
desconforto. Os acontecimentos ordenavam-se à medida do escalonar dos seus
dilemas e beber era uma decorrência exacta: gostava de estar bêbado para ter a
coragem de praticar actos resolutos. Agora, ao recusar ser cúmplice de
solidariedade, os preceitos da moral revelavam-se-lhe princípios imprecisos.
- Amas-me completamente bêbado
- Não quero ir para casa. Tenho medo da madrugada e de estar sozinho.
- E lembráste-te de mim, por
isso?
- E então lembrei-me de ti.
Disse a mulher:
- Foi há muito tempo. Recordas-te? E sempre que isso acontecia estva
disposta a receber-te de madrugada. E eu? Um dia comecei a pensar em mim, a
maneira mais simples de procurar uma explicação para o teu egoísmo. Estás a
ouvir?
- Estou a ouvir-te muito bem.
- O passado não pode ser ressuscitado. Há muitas certezas românticas
que foram destruídas.
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