quinta-feira, 27 de setembro de 2018

OS CÉLEBRES ORIGINAIS NA GAVETA


Carta de António José Saraiva, datada de Maio de 1980, para Óscar Lopes:

Mas do ponto de vista científico devo prevenir-te contra os efeitos nefastos do fanatismo. Por exemplo, na p. 1139 da 11ª edição da História da Literatura ligas os romances do Nuno de Bragança e de Dinis Machado ao 25 de Abril. Ora o livro principal do Nuno Bragança foi publicado em 1969, e o do Dinis Molero (que na minha opinião está longe de ser um grande livro) podia perfeitamente ter sido publicado antes, pois nada tem que ver com a problemática do 25 de Abril. Claro que tomas preocupações de estilo: falas de «uma carreira recente» e do «fulminante êxito de um livro ambos marcados pela problemática e pelo degelo trazidos pelo 25 de Abril.» A «carreira» é a do Nuno de Bragança, o que te permite meter no mesmo saco A Noite e o Riso (que é um grande livro) e a Directa (1977) que está longe de atingir o mesmo nível. Mas quem ler desprevenidamente julga que o 25 de Abril teve algum efeito na literatura, o que sabes perfeitamente que é falso. Já lá vão seis anos e não se viu nada, nem sequer os célebres originais «na gaveta». O que prova afinal que a literatura tem muito pouco a ver com as peripécias da política, como alíás já sabíamos. É lamentável que tenhas deixado passar para um livro científico um slogan ideológico, ou melhor partidário.


Legenda: Nuno Bragança

Sem comentários: