Cerromaior
Manuel da Fonseca
Capa: Manuel Ribeiro
de Pavia
Editorial Inquérito,
Lisboa Dezembro de 1943
Mas a maior parte dos camponeses já havia feito as compras e enchera as
vendas do largo. De quando em quando, atraídos pelas gargalhadas dos que
estavam de fora, chegavam às portas.
O motivo do riso era a loucura mansa do aguadeiro, já bêbado, de fralda
de camisa fora das calças, ajoelhado diante do burro.
- O meu burro é um santo!
Cada domingo, a bebedeira trazia novos aspectos à doidice do Zé da
Água. Perante as gargalhadas gerais, obrigava o burro a bater com as patas
repetidas vezes no chão enquanto agitava ele os pés descalços, num compasso
marcado.
Estavam dançando o fandango. Por fim parou. Um sorriso alvar
escorria-lhe do rosto e dos olhos aguadas e era, num momento, substituído por
tal expressão de espanto que os olhos mortiços se lhe abriam atónitos:
- Ganha-me o pão e ainda dança que nem um homem! Que é o meu burro?!...Continua
a falar e o animal segue-o, rua acima. As bilhas vão escorrendo, duas de cada
lado da albarda. De súbito, Zé da Água salta e dá punhadas no peito, enquanto
grita para o largo: É mais esperto que vocês todos juntos! Ajoelha de novo, põe
as mãos e atira a voz para as alturas: Nosso Senhor mo guarde!...
Continua a falar e o animal segue-o, rua acima. As bilhas vão
escorrendo, duas de cada lado da albarda. De súbito, Zé da Água salta e dá
punhadas no peito, enquanto grita para o largo:
- É mais esperto que vocês todos juntos!
Ajoelha de novo, põe as mãos a atira a voz para as alturas:
- Nosso Senhor mo guarde!...
Mas os rapazes aparecem de todos os lados em grande alarido. Querem
demorar a cena:
- Xô, burro! Aí, xô!
No largo e na rua ressoam risadas até o aguadeiro desaparecer.
Sem comentários:
Enviar um comentário