quinta-feira, 6 de setembro de 2018

À BEIRA DE UM PRECIPÍCIO


Carta de António José Saraiva, desde Amsterdão, 16 de Fevereiro de 1973, para Óscar Lopes onde volta à divinização de Agustina Bessa-Luís («A Agustina é infinitamente mais «realista» que o Redol, porque os livros do redol são mortos e os da Agustina vivos. Quando a leio sinto-me à beira de um precipício, e por isso não aguento lê-la mais que uma dúzia de páginas seguidas») e um breve comentário sobre as colónias portuguesas:

As minhas correcções à parte da Agustina visaram sobretudo a dar-lhe o lugar que ela merece e que não é o de uma simples «escritora feminina». A Agustina é um dos dois grandes escritores mundiais que Portugal produziu neste século e está a ser vítima de uma certa mesquinhez nacional, bem ajuizadinha, cujos grandes símbolos são no nosso século o Teófilo e o Salazar. Não há dúvida que perdemos nos últimos séculos uma certa capacidade de ver grande como tiveram o Camões,  o Vieira, o Oliveira Martins, o Pessoa e até certo ponto o Sérgio. Secou-se-nos o grãozinho de mostarda. Dizer que os últimos livros dela não são tão bons como os primeiros é fugir à questão. E quanto a não ser traduzida, é lá com os tradutores e os comerciantes de livros.

Quanto às colónias só há uma alternativa: ou liquidar tudo, limpando saí as mãos (estado branco independente, ou negociações com os movimentos, ou outra qualquer solução que entregue aquilo ao diabo); ou então procurar criara uma sociedade em que os brancos e pretos convivam. Mas esta segunda solução parece cada vez mais impossível. Somos um país pequeno, pobre, resignado ao destino que não conhecemos nem queremos conhecer! Isso dói-me.

Sem comentários: