sábado, 8 de setembro de 2018

ESCREVE! ESCREVE!



Nos primeiros dias de Março começámos a percorrer as 96 páginas da Autobiografia de Mário Dionísio e hoje publicamos a derradeira página.
Um livrinho notável publicado em Dezembro de 1987.
Tentámos dar a conhecer as partes mais significativas, mas trata-se de um livro maravilhoso que exige ser lido no seu todo.
É provável que ainda o encontrem em alfarrabistas ou na Casa da Achada, sede do Centro Mário Dionísio.

O quê? Projectos? Mais projectos? Coço a cabeça, meio envergonhado. Um homem com esta idade! Terei tempo sequer para metade deles?
Vale-me então um espírito maligno, género anãozinho da floresta (outra vez a floresta...) que me pousa no ombro enquanto escrevo ou pinto e que me diz, gozão: «Inquietas-te porquê? Que falta é que tudo isso faz?» E, com esta, arruma-me de vez: «Estás convencido de teres estado sempre certo?»
A defesa, abro o meu irregularíssimo Diário num dia de 63, aí calhou, e leio-o como se a data fosse a de hoje: «Não queiras que cada página seja um monumento. Não queiras tudo. E o melhor ca­minho para não encontrares nada. Não te sintas esmagado pelos grandes nem condoído com a fa­lência dos que detestas ou desprezas ou apenas la­mentas. Escreve. Esquece tudo, tapa os ouvidos, mete-te bem na tua experiência, só na tua expe­riência. Grande ou pequena, é o que tens. Não de­sanimes, não desistas, não te perturbes com a indi­ferença dos outros, não te entusiasmes com os aplausos dos outros. Escreve! Escreve!».

Mário Dionísio em Autobiografia

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