Como escreveu Rafael
Alberti:
Ontem, no Chile, morreu um homem. Hoje mesmo, milhares de outros já se
levantam. A morte não acaba nada!
Pablo Neruda no seu
livro Confesso Que Vivi:
O meu povo foi o mais atraiçoado deste tempo. Dos
desertos do nitrato, das minas submarinas do carvão, das altitudes terríveis
onde jaz o cobre e o extraem com esforços sobre-humanos as mãos do meu povo,
surgiu um movimento libertador de dimensão grandiosa. Esse movimento levou à
presidência do Chile um homem chamado Salvador Allende, para introduzir reformas
e medidas de justiça inadiáveis, a fim de resgatar as nossas riquezas nacionais
das garras estrangeiras. (…).
Aqui, no Chile, estava a construir-se, entre enormes
dificuldades, uma sociedade verdadeiramente justa, bem assente na base da nossa
soberania, do nosso orgulho nacional, do heroísmo dos melhores habitantes do
Chile. Do nosso lado, do lado da
revolução chilena, estavam a Constituição e a lei, a
democracia e a esperança.
Discurso do
Presidente Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973, dia do golpe de Estado
que derrubou o governo da Unidade Popular e implantou a sanguinária ditadura
militar comandada pelo general Pinochet.
«Seguramente, esta será a última oportunidade em que poderei dirigir-me
a vocês. A Força Aérea bombardeou as antenas da Rádio Magallanes. Minhas
palavras não têm amargura, mas decepção. Que sejam elas um castigo moral para
quem traiu seu juramento: soldados do Chile, comandantes-em-chefe titulares, o
almirante Merino, que se auto designou comandante da Armada, e o senhor Mendoza,
general rastejante que ainda ontem manifestara sua fidelidade e lealdade ao
Governo, e que também se autodenominou diretor geral dos carabineros.
Diante destes fatos só me cabe dizer aos trabalhadores: Não vou
renunciar! Colocado numa encruzilhada histórica, pagarei com minha vida a
lealdade ao povo. E lhes digo que tenho a certeza de que a semente que
entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos, não poderá
ser ceifada definitivamente. [Eles] têm a força, poderão nos avassalar, mas não
se detém os processos sociais nem com o crime nem com a força. A história é
nossa e a fazem os povos.
Trabalhadores de minha Pátria: quero agradecer-lhes a lealdade que
sempre tiveram, a confiança que depositaram em um homem que foi apenas
intérprete de grandes anseios de justiça, que empenhou sua palavra em que
respeitaria a Constituição e a lei, e assim o fez.
Neste momento definitivo, o último em que eu poderei dirigir-me a
vocês, quero que aproveitem a lição: o capital estrangeiro, o imperialismo,
unidos à reação criaram o clima para que as Forças Armadas rompessem sua
tradição, que lhes ensinara o general Schneider e reafirmara o comandante
Araya, vítimas do mesmo setor social que hoje estará esperando com as mãos
livres, reconquistar o poder para seguir defendendo seus lucros e seus
privilégios.
Dirijo-me a vocês, sobretudo à mulher simples de nossa terra, à
camponesa que nos acreditou, à mãe que soube de nossa preocupação com as
crianças. Dirijo-me aos profissionais da Pátria, aos profissionais patriotas
que continuaram trabalhando contra a sedição auspiciada pelas associações
profissionais, associações classistas que também defenderam os lucros de uma
sociedade capitalista. Dirijo-me à juventude, àqueles que cantaram e deram sua
alegria e seu espírito de luta. Dirijo-me ao homem do Chile, ao operário, ao
camponês, ao intelectual, àqueles que serão perseguidos, porque em nosso país o
fascismo está há tempos presente; nos atentados terroristas, explodindo as
pontes, cortando as vias férreas, destruindo os oleodutos e os gasodutos,
frente ao silêncio daqueles que tinham a obrigação de agir. Estavam
comprometidos. A história os julgará.
Seguramente a Rádio Magallanes será calada e o metal tranquilo de minha
voz não chegará mais a vocês. Não importa. Vocês continuarão a ouvi-la. Sempre
estarei junto a vocês. Pelo menos minha lembrança será a de um homem digno que
foi leal à Pátria. O povo deve defender-se, mas não se sacrificar. O povo não deve
se deixar arrasar nem tranquilizar, mas tampouco pode humilhar-se.
Trabalhadores de minha Pátria, tenho fé no Chile e seu destino.
Superarão outros homens este momento cinzento e amargo em que a traição
pretende impor-se. Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as
grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade
melhor.
Viva o Chile! Viva o povo! Viva os trabalhadores! Estas são minhas
últimas palavras e tenho a certeza de que meu sacrifício não será em vão. Tenho
a certeza de que, pelo menos, será uma lição moral que castigará a perfídia, a
covardia e a traição.»
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