sexta-feira, 21 de setembro de 2018

OLHAR AS CAPAS


Mulher de Porto Pim
e outras histórias

Antonio Tabucchi
Prólogo: Antonio Tabucchi
Tradução: Mari Emíli Marques Mano
Capa: Rogério Petinga
Difel, Lda, Lisboa s/d

Post Scriptum

Uma baleia vê os homens

Sempre tão atarefados, e com longas barbatanas que agitam com frequência. E como são pouco redondos, sem a majestosidade das formas acabadas e suficientes, mas com uma pequena cabeça móvel onde parece encontrar-se toda a sua estranha vida. Chegam deslizando sobre o mar mas não nadam, quase como se fossem pássaros, e infligem a morte com fragilidade e graciosa ferocidade. Permanecem longo tempo em silêncio, mas depois entre eles gritam com fúria repentina, com um amontoado de sons que quase não varia e aos quais falta a perfeição dos nossos sons essenciais: chamamento, amor, pranto de luto. E como deve ser penoso o seu amar-se: e áspero, quase brusco, imediato, sem uma capa de gordura, favorecido pela sua natureza filiforme que não prevê a heróica dificuldade da união nem os magníficos e ternos esforços para a realizar.
Não gostam da água e têm medo dela, e não se percebe porque a frequentam. Também eles andam em bandos mas não levam fêmeas e adivinha-se que elas estão algures, mas são sempre invisíveis. Às vezes cantam, mas só para si, e o seu canto não é um chamamento, mas uma forma de lamento angustiado. Cansam-se depressa, e quando cai a noite estendem-se sobre as pequenas ilhas que os transportam e talvez adormeçam ou olhem para a Lua. Vão-se embora deslizando em silêncio e percebe-se que são tristes.

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