sexta-feira, 14 de setembro de 2018

OLHAR AS CAPAS



É Proibido Apontar
Reflexões de Um Burguês – I

José Rodrigues Miguéis
Prefácio: José Rodrigues Miguéis
Capa: Manuel Correia
Editorial Cor, Lisboa, Março de 1964

Mas a liberdade da criança parece um ultraje à minha servilidade adquirida, à minha anquilose mental e afectação: como posso eu deixar que ela tenha e goze o que me falta?! Esqueço que também já fui criança, que já «amarguei» e me revoltei, e que a minha paz de hoje (se tal posso chamar-lhe) é apenas a resignação que me impuseram de fora e de cima. Como posso eu, pois, dar a liberdade, se sou escravo? Como podem escravos formar espíritos livres? E como poderá ser livre quem nunca praticou a liberdade? Se nós, adultos, não sabemos respeitar a liberdade alheia, é porque em verdade nunca nos exercitámos na própria: a liberdade que se desconhece e desconhece os seus limites redunda em tirania. Ora, é no livre jogo do mundo da infância que, com a liberdade, se aprende a conhecer a fronteira das liberdades alheias, o que dará mais tarde a justiça e a harmonia no convívio social dos homens. É mais fácil emanciparmo-nos das tiranias exteriores, formais, do que da tirania interior dos hábitos e dos prejuízos, que resistem a pregações e a revoluções, em geral de superfície, porque se tornaram parte integrante, por assim dizer vegetativa, da nossa personalidade, e, depois, dos usos e costumes da vida em sociedade.

Sem comentários: