É Proibido Apontar
Reflexões de Um
Burguês – I
José Rodrigues
Miguéis
Prefácio: José
Rodrigues Miguéis
Capa: Manuel Correia
Editorial Cor,
Lisboa, Março de 1964
Mas a liberdade da criança parece um ultraje à minha servilidade
adquirida, à minha anquilose mental e afectação: como posso eu deixar que ela
tenha e goze o que me falta?! Esqueço que também já fui criança, que já
«amarguei» e me revoltei, e que a minha paz de hoje (se tal posso chamar-lhe) é
apenas a resignação que me impuseram de fora e de cima. Como posso eu, pois,
dar a liberdade, se sou escravo? Como podem escravos formar espíritos livres? E
como poderá ser livre quem nunca praticou a liberdade? Se nós, adultos, não
sabemos respeitar a liberdade alheia, é porque em verdade nunca nos exercitámos
na própria: a liberdade que se desconhece e desconhece os seus limites redunda
em tirania. Ora, é no livre jogo do mundo da infância que, com a liberdade, se
aprende a conhecer a fronteira das liberdades alheias, o que dará mais tarde a
justiça e a harmonia no convívio social dos homens. É mais fácil
emanciparmo-nos das tiranias exteriores, formais, do que da tirania interior
dos hábitos e dos prejuízos, que resistem a pregações e a revoluções, em geral
de superfície, porque se tornaram parte integrante, por assim dizer vegetativa,
da nossa personalidade, e, depois, dos usos e costumes da vida em sociedade.
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