Sinais de Fogo
Jorge de Sena
Nota: Mécia de Sena
Prefácio: Arnaldo Saraiva
Capa: A. Saldanha
Coutinho
Edições 70, Lisboa,
Maio de 1981
Uma saciedade contraditória, como de saudade lancinante que se adiasse
tranquila sem deixar de ser agudamente física, se me ajustava à frustração
humilhada. Limpei-me com o lenço. Olhei aflito em volta, com a sensação que antes
não tivera de milhares de olhos escarninhos a observar-me o ridículo. Mas não
havia ninguém. Caminhei até ao murete da linha dos comboios, e procurei na
vedação de arame, que encerrava as linhas pelo outro lado, uma abertura por
onde passar. Encontrei-a mais adiante. Como num entressonhar, fui andando até
chegar a uma azinhaga ao fim da qual via postes de eléctrico. Foi quando uma
onda asfixiante de bem-estar, um bem estar irónico, sardónico, casquinante,
estourou dentro de mim num silenciosos grito que retiniu nos tímpanos, nos
muros, na atmosfera já sombria da azinhaga.
- Quanto de ti, amor, me possuiu no abraço…
Febrilmente, e ao mesmo tempo com a serenidade de quem está seguro de
que as vozes lhe falam e não vão calar-se (eu já ouvia as cadências
continuar-se), escrevi:
Quanto de ti,
amor, me possuiu no abraço
em que de penetrar-te me senti perdido
no ter-te para sempre-
Quanto de ter-te me possui em tudo
o que eu deseje ou veja não pensando em ti
no abraço a que me entrego-
Quanto de entrega é como um rosto aberto,
sem olhos e sem boca, só expressão dorida
de quem é como a morte-
Quanto de morte recebi de ti,
na pura perda de possuir-te em vão
de amor nos traiu-
Quanta traição existe em possuir-te a gente
sem conhecer que o corpo não conhece
mais que o sentir-se noutro-
Quanto sentir-te e me sentires não foi
senão o encontro eterno que nenhuma imagem
jamais separará-
Quanto de separados viveremos noutros
esse momento que nos mata para
quem não nos seja e só-
Quanto de solidão é este estar-se em tudo
como na ausência indestrutível que
nos faz ser um no outro-
Quanto de ser-se ou se não ser o outro
é para sempre a única certeza
que nos confina em vida-
Quanto de vida consumimos pura
no horror e na miséria de, possuindo, sermos
a terra que outros pisam-
Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti,
recebo gratamente como se recebe
não a morte ou a vida, mas a descoberta
de nada haver onde um de nós não esteja.
em que de penetrar-te me senti perdido
no ter-te para sempre-
Quanto de ter-te me possui em tudo
o que eu deseje ou veja não pensando em ti
no abraço a que me entrego-
Quanto de entrega é como um rosto aberto,
sem olhos e sem boca, só expressão dorida
de quem é como a morte-
Quanto de morte recebi de ti,
na pura perda de possuir-te em vão
de amor nos traiu-
Quanta traição existe em possuir-te a gente
sem conhecer que o corpo não conhece
mais que o sentir-se noutro-
Quanto sentir-te e me sentires não foi
senão o encontro eterno que nenhuma imagem
jamais separará-
Quanto de separados viveremos noutros
esse momento que nos mata para
quem não nos seja e só-
Quanto de solidão é este estar-se em tudo
como na ausência indestrutível que
nos faz ser um no outro-
Quanto de ser-se ou se não ser o outro
é para sempre a única certeza
que nos confina em vida-
Quanto de vida consumimos pura
no horror e na miséria de, possuindo, sermos
a terra que outros pisam-
Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti,
recebo gratamente como se recebe
não a morte ou a vida, mas a descoberta
de nada haver onde um de nós não esteja.
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