domingo, 16 de setembro de 2018

OLHAR AS CAPAS


O Cavalinho de Pau do Menino Jesus

Manuel António Pina
Capa e ilustrações: Danuta Wojciechowska
Jornal Expresso, Lisnoa 2004

Quando soube que o Menino Jesus tinha nascido, o Pai Natal ficou contentíssimo. Vestiu-se a correr, carregou e trenó com presentes e chamou as renas:
"Dasher, Dancer, Dunder... Venham depressa!" 
Quando a Mãe Natal, que fora fazer compras, chegou a casa, o Pai Natal já tinha atrelado as renas e estava pronto para partir.
"Onde vais?", perguntou, surpreendida, a Mãe Natal. "Ainda nem almoçaste..."
"Vou a Belém. Nasceu o Menino Jesus. é Natal!"
A Mãe Natal aproximou-se do trenó carregado até cima de presentes, pegou num grande embrulho e, abanado com a cabeça, virou-se para o Pai Natal:
"Um computador?! Não vês que os computadores ainda não foram inventados?..."
O Pai Natal desceu do trenó, embaraçado:
"Tens razão... Não me lembrei.."
"É muito distraído!", disse a Mãe Natal. E, dirigindo-se de novo ao trenó:
"É melhor eu verificar os outros presentes..."
Com a alegria do nascimento do Menino Jesus e com a vontade que tinha de o fazer feliz, o Pai Natal tinha carregado o trenó com os melhores presentes que encontrou: jogos de computador, um carro de bombeiros com telecomando, um comboio eléctrico, uma bicicleta...
"Que distraído, que distraído!", dizia a Mãe Natal enquanto ia tirando os presentes do trenó e os entregava aos elfos para que os guardassem novamente.
O Pai Natal estava muito envergonhado. Além disso, como a Mãe Natal continuava a tirar presentes do trenó e a dizer "Que distraído! Que distraído", começava a impacientar-se:
"Depressa, senão perco a Estrela de Belém e não encontro o caminho!"
Finalmente a Mãe Natal descarregou o trenó. Depois foi buscar um belíssimo cavalinho de pau castanho e dourado, com arreios vermelhos:
Leva o cavalinho. Não há rapaz que não goste de um cavalinho de pau..." De repente hesitou, voltando-se de novo para o Pai Natal:
"Tens a certeza de que não é uma Menina Jesus...?" 
"Absoluta!", disse o Pai Natal, já outra vez em cima do trenó.
Deu um beijo à Mãe Natal e gritou para as renas:
"Vamos, Dasher!, vamos Dancer!, vamos Prancer e Vixen! Força, Cometa!, força Cupido!, força Dunder e Blixem! Ohhooooo! Ohhooooo!..."
O trenó levantou voo céu fora, a caminho de Belém. A Mãe Natal ficou a acenar até ele desaparecer no horizonte. Depois pegou nos sacos das compras e entrou finalmente em casa.
Do Pólo Norte a Belém é uma longa viagem. Ainda por cima, Vixen estava muito constipada e tossiu e espirrou todo o caminho, tendo sido preciso parar várias vezes para ela tomar os remédios. Por isso, quando o Pai Natal chegou ao estábulo onde nascera o Menino Jesus e estacionou o trenó, já os camelos dos Reis Magos lá estavam, amarrados a grandes argolas.
"Que pena", pensou o Pai Natal. "Os Reis Magos chegaram primeiro que eu..."
Desceu do trenó, pegou no cavalinho de pau e dirigiu-se para a porta do estábulo. Mas, à porta, os seguranças dos Reis Magos barraram-lhe a entrada:
"Não se pode entrar!", disseram-lhe os guardas.
"Mas...", disse o Pai Natal. "Trago um presente de Natal para o Menino Jesus...!
"Seja o que for! Não pode entrar ninguém", repetiram os guardas, virando as costas.
O Pai Natal ficou desolado. Viera de tão longe, com um presente tão bonito! Olhou em volta e teve, então, uma ideia. Dunder era muito alta e, com a sua ajuda e com a de Blixem, subiu ao telhado do estábulo e meteu-se pela chaminé.
Não foi fácil porque o Pai Natal já não era um jovem  e porque o cavalinho de pau era grande de mais. Mas, ao cabo de várias tentativas, o Pai Natal conseguiu por fim descer pela chaminé e, pé ante pé, sem ninguém o ver, pôs o cavalinho no sapatinho do Menino Jesus.
Quando viu o presente, o Menino Jesus ficou felicíssimo. Um cavalinho de pau! Desinteressou-se imediatamente do ouro, do incenso e da mirra que lhe tinham trazido os Reis Magos.
Estes ficaram um pouco decepcionados. E, quando o Menino Jesus adormeceu na manjedoura, Nossa Senhora  procurou desculpá-lo:
"Não façam caso, é uma criança...", disse ela aos Reis Magos.
"Nós compreendemos, nós compreendemos", disseram Gaspar, Baltazar e Belchior. Mas, lá no fundo, achavam que um Deus, mesmo sendo apenas um menino, deveria apreciar prendas tão valiosas como as suas.
"Afinal é o Rei dos Reis...", comentaram uns com os outros, já de regresso aos seus reinos. "Onde é que já se viu um Rei ficar tão feliz com um cavalinho de pau?"
O Menino Jesus nunca mais se separou do cavalinho castanho de crina dourada. Pôs-lhe o nome de "Galope" e adormecia todas as noites abraçado a ele. E, quando a família fugiu para o Egipto, foi a única coisa que quis levar consigo, apesar de os pais terem insistido para que pensasse no seu futuro e levasse ouro.
No Egipto, longe de casa, sem amigos para brincar, "Galope" foi sempre o melhor companheiro do Menino Jesus. E, muitos anos depois, quando morreu na cruz e subiu ao Céu, a sua última lembrança foi o seu cavalinho de pau de crina dourada.


Os incitamentos do Pai Natal às renas são versos do poema infantil “An Account of a Visit from St. Nicholas”, de Clemente Clarke Moore, que terá dado origem à lenda de Santa Claus.

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