segunda-feira, 24 de setembro de 2018

A CALMA PARA MERGULHAR NO LIVRO


Podes sair da livraria satisfeito, tu, homem que julgavas já ter acabado a época em que se pode esperar alguma coisa da vida. Trazes duas expectativas diferentes e que promete, ambas dias de agradáveis esperanças. A expectativa contida no livro – de uma leitura que estás impaciente por retomar – e a expectativa contida naquele número de telefone – de tornares a ouvir as vibrações ora agudas ora veladas daquela voz, quando responder à tua primeira chamada, daqui a pouco tempo, se calhar já amanhã, com a frágil desculpa do livro, para lhe perguntares se está a gostar ou não, para lhe dizeres quantas páginas, leste ou não leste, para lhe propores voltarem a encontrar-se…
Quem és tu. Leitor, qual a tua idade, estado civil, profissão, rendimentos, seria indiscreto perguntar-se. É lá contigo, da tua vida sabes tu. O que conta é o estado de espírito com que agora, na intimidade da tua casa, tentas restabelecer a calma perfeita para mergulhares no livro, estendes as pernas, encolhes e voltas a estendê-las. Mas algo se modificou desde ontem. A tua leitura já não é solitária: pensas na Leitora que neste momento está a abrir o livro, e ao romance para ler sobrepõe-se um possível romance para viver, a continuação da tua história com ela, ou melhor: o princípio de uma possível história.

Italo Calvino em Se Numa de Inverno Um Viajante

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