sexta-feira, 28 de setembro de 2018

SOU O GAJO DAS CALÇAS CURTAS



Pontas soltas de perguntas e respostas na entrevista que Mário Santos fez a Luiz Pacheco, antologiada em O Crocodilo Que Voa:

Aliás, parece que a necessidade é que desde sempre o estimula a escrever…

Claro. Mas eu vou fazer umas merdas duns artigos para uns jornais de merda, ou uns editores de merda, fazer artigalhadas para ganhar uma trampa? Não preciso! Tenho dinheiro que chegue para o quarto, a roupa é dada! E de repente considerei-me morto! Durante os últimos dez ou oito anos lia policiais e livros de cowboys… Quando vim para aqui disse: agora tenho que me defender! E trabalhei mais agora aqui, desde Abril do ano passado do que em dez anos.

Deixou os policiais e os cowboys. Tem lido o que se publica por aí»

Tudo! Aí é que está a gaita. Não há nenhum gajo que tenha agora publicado que eu não tenha comprado… Comprei Estrela de Seis Pontas, do meu camarada Álvaro Cunhal, e gostei muito. Cinco Noites… é uma merda, mas este é muito bem feito.

Mas você próprio não «exibiu» essa imagem?

Repare nas minhas calças: sou o gajo das calças curtas. Porquê?
Porque não mando fazer um fato desde 1957 ou 1958! E por caso tinha um bom alfaiate, mas o último fato não o paguei e nunca mais lá fui… «O gajo anda de calças assim para provocar, para se mostrar original.» Não é! Eu vejo aí é calças a três e quatro contos, e eu ia dar três contos por um par de calças? Jamais de ma vie, porra! Se me dão calças compridas, visto-as, dão-me curtas, eu visto-as! Quero lá saber… São dadas! Essa carneirada acha de mim uma coisa, eu acho deles, outra! Agora, isto não tem nada a ver com a obra que fiz!

A ideia da morte perturba-o?

Estou sempre à espera de não acordar no dia seguinte! Aliás, tenho um problema de que não se vai rir: como é que eu vou avisar que estou morto? Já me perguntaram porque é que eu não ponho o telefone ao pé da cama… Olha que ideia fantástica! O meu filho do Pinhal Novo agora vem cá muitas vezes, o meu filho do Montijo nunca aqui veio… E está no Montijo, tem carro, estava aqui em meia hora! Morro e ao fim de oito dias está aqui um fedor que não se pode… Quero lá saber! Mas eu tenho uma vida tão doente, que sou é um moribundo alegre, tenho espírito de convalescente… Mas já estou a ficar chateado disto… Fui criado numa casa com muita gente e aqui estou muito sozinho…

Legenda: pormenor da capa do livro Mano Forte

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