O Cravo Vermelho
Elio Vittorini
Prefácio: Elio Vittorini
Prefácio: Elio Vittorini
Tradução: Sousa
Victorino
Capa: Infante do
Carmo
Colecção Miniatura nº
125
Livros do Brasil,
Lisboa s/d
Havia já muito tempo que não ousava brincar daquela forma estrepitosa.
Tinha olhado para mim uma rapariga do «segundo» e eu, sem mais, deixara de o
fazer.
Era filha de um coronel. Parecia-me lindíssima, embora usasse um
chapelinho que lhe escondia metade da cara. Ia de casa para o liceu e do liceu
para casa com uma mocetona de largas ancas, do mesmo ano, que lhe dava sempre a
direita e parecia sua criada.
Logo que me senti olhado não hesitei; pus-me a segui-la, mantendo dez
passos de distância, e acompanhava-a em todas as saídas. Voltava-se, em todo o
percurso, uma única vez: quando chegava à esquina de rua onde ficava a sua
casa. À tardinha voltava a passar debaixo das suas janela, a maior parte das vezes
de bicicleta, e a música fluía subterrânea de dentro da longa fila de altos
muros floridos. Também lhe escrevi, mas não me respondeu. Apenas, porque
naquela minha carta lhe chamara Diana, me mandava com frequência e
misteriosamente dizer, por qualquer rapariga do meu ano, que Diana me enviava
cumprimentos.
Um dia mandou-me um cravo vermelho, fechado num sobescrito.
Encontrava-me na aula, enquanto a professora de línguas modernas
escandia palavras de la Fontaine. Ama-me, pensei, dando um salto. A professora
fritou-me que repetisse o último verso e eu disse, pesando na que me queria
bem:
-Mas nem por sonhos!
Fui expulso da aula por todo o resto da lição e fui postar-me atrás da
porta do «segundo», onde ela estava. Esperava ouvir-lhe a voz; não a conhecia
mas supunha poder reconhecê-la. Ama-me, pensava. E a voz «dela» elevou-se
enquanto a voz dolente do padre que ensinava grego a todo o Liceu, interrogava.
Era uma voz como a duma criança que despertasse, com um longo «oh» de
maravilhado recolhimento no início de cada resposta.
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