Ilhas na Corrente
Ernest Hemingway
Tradução: Jorge Rosa
Capa: A. Pedro
Colecção Dois Mundos
nº 127
Livros do Brasil,
Lisboa s/d
- Tom, meu inútil, que tens tu feito?
- Tenho trabalhado afincadamente.
- Já esperava isso de ti – disse ele, mordiscando de novo o pimentão.
Era um pimentão muito enrugado e murcho, com cerca de 15 centímetros.
- Só a primeira é que dói – disse. É como o amor.
- Qual quê! Os pimentões fazem doer de ambos os lados.
- E o alor?
- Prò inferno com o amor – disse Thomas Hudson.
- Que sentimento! Que maneira de falar! No que te estás tu a
transformar, afinal? Numa vítima do delírio pastoril nesta ilha?
- Aqui não há ovelhas, Johnny.
- Então dos pastores de caranguejos – disse Johnny. – Não queremos que
algum dia sejas levado na rede ou coisa parecida. Experimenta um destes
pimentões
- Já experimentei – disse Thomas Hudson.
- Oh, conheço o teu passado – disse ele – Não me venhas com o teu
ilustre passado. Se calhar inventaste-os. Eu sei, Provavelmente foste tu quem
os introduziu na Patagónia às costas de iaque. Mas eu represento os tempos
modernos. Ouve, Tommy, tenho pimentões destes recheados com salmão, com
bacalhau, com atum chileno, com peito de rola mexicana, com carne de perú e
toupeira. Eles põem o recheio que lhes apetece e eu compro. Faz-me sentir assim
uma espécie de potentado qualquer. Mas tudo isso é uma perversão. Nada há de
melhor do que simplesmente este longo pimentão murcho, que não inspira nem está
recheado e que nada promete, com molho castanho de chupango. Malandro – e
tornou a bufar com a língua enrolada. – Daquela vez tive um fartote de ti.
E bebeu um trago impressionante de «Tom Collins».
- Deram-me um pretexto para beber – explicou. – Tenho de refrescar o
diabo da boca. E tu, que tomas?
- Posso tomar mais um gin com água tónica.
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