sábado, 1 de setembro de 2018

OLHAR AS CAPAS



O Rival

Roger Vailland
Tradução: António Neves-Pedro
Capa: Aramando Alves
Colecção Metamorfoses nº 13
Editorial Inova, Porto, Janeiro de 1975

- Tem entrevista marcada?
- Não.
- Então faça o favor de preencher uma ficha.
Mignot escreveu:
NOME: Fréderic Mignot
FINALIDADE DA VISITA: da parte de secção de Clusot do Partido Comunista Francês.
- Faça a fineza de esperar um momento, - disse o contínuo, que depois se dirigiu, coxeando, para escada.
Mignot teve a impressão que o velho lhe lançara um olhar espantado. Na realidade, há muito que o velho era demasiado míope para ser capaz de ler, mesmo quando punha os óculos: e era apenas isso que lhe dava aquele ar assombrado.
- Mande entrar esse senhor imediatamente. – disse Letourneau, que ficou à espera, com o coração a bater com força.
«Aí está a iniciativa misteriosamente anunciada ontem pela pequena Amable», pensou ele. «Cumpriu a sua promessa». Estava disposto a fazer algo de muito importante «introduzindo o inimigo na fortaleza». «Aqui está finalmente o meu primeiro acto de coragem», disse para si mesmo.
Mignot preparara cuidadosamente toda uma série de argumentos para persuadir Letourneau a petição para a libertação de… Mas Philippe dispôs-se a assinar mesmo antes de ouvir uma única palavra.
«Então é apenas isto!» pensava ele. Chegara a temer que Pierrette exigisse dele uma profissão de fé pública, como, por exemplo, ir ao domingo de manhã, à saída da missa, vender, berrando o L’Humanité. Tivera receio de ser ridículo. Não que ele ligasse grande importância à opinião que dele fariam os burgueses, e sabia até, pelo contrário, que os seus amigos de Lyon ou de Paris teriam achado extremamente divertido que ele andasse a gritar L’Humanité pelas ruas de uma sede de concelho provincial. Mas temia parecer ridículo aos olhos dos operários: «Não me saberia comportar como eles, ficaria deslocado.»

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