sexta-feira, 14 de setembro de 2018

OLHÓ PACHECO! SACANA LIBERTINO ESCRITOR


Esperávamos, ansiosos, pela serenidade de Setembro mas acontecem-nos temperaturas agostonianas. Resta-nos hoje um, breve, mergulho na segunda entrevista que o Crocodilo que Voa guardou de Luiz Pacheco, publicada em O Inimigo de Abril de 1994 e teve a conduzi-la Baptista-Bastos: «Olhó Pacheco! Sacana Libertino Escritor»:

Fala de outros autores:

O Saramago. Gosto imenso do Saramago como pessoa, como camarada do partido, e pelas suas capacidades de trabalho. Devo-lhe muitos favores e finezas e atenções.
O Saramago é o grande vencedor do 25 de Novembro. Escrevia umas coisas no Diário de Lisboa e no Diário de Notícias, confundiu o Beckett com o Ionesco, enfim, coisas a esquecer. E aquele Manual de Pintura e Caligrafia é uma chatice. Ele tem um romance que escamoteia, Terra do Pecado, e eu não sei porque é que ele não o republica, não o envergonha nada, aquele romance datado, em comparação com outros da mesma época. Daqui a cinquenta anos, depois da morte dele, vai haver um editor espertalhão que o publicará… Mas o Saramago avançou com o Memorial do Convento, e é o grande impacte. Mas temos de ter cuidado com o que dizemos.

Que significa essa precaução?

É que há toda uma maquinaria editorial, E um tipo sabe que, se mete lá a mão, levam-nos o braço e o corpo todo, se possível a alma e o resto… a pilinha… Já antes do memorial, o Saramago tinha publicado Levantado do Chão, ao qual dediquei uns artigos no Diário Popular, que me impressionou muito. E até as peças de teatro dele são coisas muito giras. Que Farei com Este Livro?, está muito acima do que por aí se faz. Republicou, mais tarde, na Caminho, a sua poesia, um horror!, e ele bem sabe que é um horror. O Memorial é excepcional. O Ano da Morte de Ricardo Reis é uma montagem bem feita. A Jangada de Pedra não consegui ler aquilo de fio a pavio. O Evangelho li duas páginas e pensei. «Nunca li a Bíblia, já não vou ler isto!» É muito comprido. Já não tenho tempo nem vista. Dei-o ao meu filho.

E os outros? Já que estamos numa espécie de listagem.

Gajos que considero fora da carroça: o Ferreira de Castro, o Fernando Namora, o Lobo Antunes (que já não consigo ler, não leio mesmo), o Vergílio Ferreira. Este é um grande escritor, lá isso é, e tem uns três livros muito bem conseguidos, é um tipo de craveira mental, mas tem deixado escapar alguns disparates indesculpáveis. E isso é muito triste num escritor como o Vergílio Ferreira, que também não posso detestar.

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