segunda-feira, 31 de março de 2025

POSTAIS SEM SELO


Sinto-me como se tivesse cegado por excesso de olhar o mundo.

Al Berto

Legenda: fotograma final do filme Vai e Vem de João César Monteiro. O autor garantindo-nos que nos continua a observar e que o observemos.

João Bénard da Costa: «o olho que nós olhamos é um olho morto. É por isso que se fecham os olhos aos mortos, para parecer que dormem.»

OS CARTAZES DO ADELINO

SEM PEVIDES PARA NUNCA MAIS

Há quem diga que a cabeça do candidato presidencial da tal AD se parece, definitivamente, com uma abóbora. Julgo que não, nem há necessidade de dizer tão mal das abóboras. Mas, se é assim, é razão para afirmar que a Televisão tem lá, pelo menos, nos seus noticiários, uma boa aboboreira, poi , onde o tal candidato vá e vale, é certo nos «écrans», dizendo quase sempre, as fascistadas do costume, contra dois alvos treferenciais: a esquerda e, agora, o próprio, actual, Presidente da República. Todavia, e como tudo o que nos sobre do fascismo, abóbora, sim, mas sem pevides – não dá para se reproduzir, nem agora, nem nunca mais.

                                                                                                             A.T. da S.

COISAS EXTINTAS OU EM VIAS DE...

Sabia que o tinha guardado algures.

Encontrei-o hoje, numa caixa de folha cheia de coisas-guardadas-não-sei-para-quê.

Fornecido pelos TLP, o último número do telefone da casa do meu pai.

«Não marcar sem ouvir o sinal.»

À CONVERSA


  Entrevista de Verão no Público de 23 de Julho de 2024 de Anabela Mota Ribeiro, jornalista e escritora – “sente-se a escrever”, foi o melhor conselho que lhe deram na vida.

Perguntaram-lhe:

- Qual foi o último filme que viu? E qual foi o último de que gostou?

Respondeu:

- Sunset Boulevard, de Billy Wilder. Foi num contexto profissional, na Casa do Cinema Manoel de Oliveira, e ouvi os contributos da Adriana Molder e da Patrícia Portela. Os filmes ficam outros quando são comentados e contaminados por outros olhares, e nós somos outros quando voltamos a um clássico.

OLHAR AS CAPAS


Cão Como Nós

Manuel Alegre

Capa: Maria Esther

Planeta de Agostini, Lisboa, 2002

Houve um poeta que me disse que o mundo, tal como está, pode matar. Não vou deixar que isso aconteça, sei bem que tenho uns ferros no coração e que de repente posso começar a escorregar para dentro de mim mesmo. Então não se consegue parar. Foi isso mesmo que o Zeca Afonso disse ao ouvido da mulher quando estava a morrer: Não consigo parar. Sei perfeitamente o que ele queria dizer. Mas não vou deixar que o mundo, tal como está, dê cabo de mim. Tenho as minhas canas de pesca e as minhas espingardas, É sempre possível ir aos robalos, dar uns tiros. Ou então pegar na caneta e vir para aqui falar contigo. Um cão nunca abandona o dono. Mesmo que não te veja, sei que estás aí: é quanto me chega. As minhas armas e eu. O meu cão e eu.

Colaboração de Aida Santos

LOJA DE ANTIGUIDADES

 

                           «Isto faz-me impressão» - desafio de Amália

                            Rodrigues ao verificar que estavam a gravar uma

                             actuação sua no Café Luso, há muitos anos.

                             que isto seja entendido como reconhecimento a

                             uma Voz que nunca me largou na vida.

 

Existe em ti e em mim

essa nostalgia que no faz andar

perdidos na poeira ambígua

dos recados do tempo.

O teu olhar demora-se nas lâmpadas

bordadas: Gallé, esse velho artesão,

sabia o que fazia.

E as unhas nacaradas da mulher

expõem o objecto carregado de beleza

sobre uma alma esteta

que tanto trabalho lhe deu a transformar.

Reparem nesta pela – e a sua garganta

ressoa a arte nova imperiosa.

Buscámos no vivido um óleo

Intransmissível

para os nossos corpos.

Silenciosamente andámos nessa gruta

dentro da cidade onde os ruídos caem

como lanças bárbaras

e a luz fria da noite

estilhaça a nossa vista.

É bom pousar assim tanta memória

nas mãos férteis e frágeis

das coisas esquecidas.

Mas à saída, justamente à porta,

as mãos de outra mulher, meticulosas,

rebuscavam no chão, entre outras peças,

outras coisas vividas, esquecidas,

enfim, outros destroços:

do fascínio da carne, os pedacinhos de ossos.

 

Armando Silva Carvalho de Sentimento de um Acidental em O Que foi Passado a Limpo

domingo, 30 de março de 2025

POSTAIS SEM SELO


dedico-me ao poema como um homem velho se dedica a um vaso com flores.

Miguel-Manso

Legenda: fotografia de Luís Eme

NOTÍCIAS DO CIRCO

O primeiro-ministro Luís Montenegro esteve internado no hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde deu entrada, na sexta-feira, pelas 13h00, foi encaminhado para a cardiologia, saiu por volta das 20h40.

Não se sabe a cor da pulseira que lhe colocaram no pulso, nem o tempo que esperou na fila de atendimento.

Calcula-se… apenas…

«Estou bem, podem estar tranquilos. Foi um episódio de uma arritmia cardíaca, que de quando em vez, muito esporadicamente, me atinge. Está tudo tranquilo e vou descansar durante o fim de semana. Na segunda-feira vou reassumir todos os meus compromissos», disse, sorridente, aos jornalistas, às televisões, no «lugar do morto» do carro de serviço.

No sábado, o ministro dos Assuntos Parlamentares garantiu que o primeiro-ministro tem uma "saúde rija" e que não há motivos para preocupação, salientando que o episódio de arritmia,  "foi um pequeno percalço. "

CONVERSANDO


Li, diversas fontes, que a frase pertence ao romano Júlio César:

 Há nos confins da Ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar.

Claro que são os portugas!

Quem mais poderia ser?

OLHAR AS CAPAS


O Pintor Debaixo do Lava-Louças

Afonso Cruz

Editorial Caminho, Lisboa, Janeiro de 2022

A minha avó morreu com 99 anos. Dizia que Deus se tinha esquecido dela. Foi praticamente um século a ver que a maior parte da bondade humana é pura maldade.

OS DIAS VISTOS DO CAFÉ DO MONTE

As meditações de Ana Cristina Leonardo no Café do Monte, mais as suas crónicas no Público.

Final da crónica de ontem:

«Confesso que esta nova realidade me confunde. Acrescento não acreditar que seja a única baralhada. Aliás, com excepção da presidente da Comissão Europeia e de Nuno Rogeiro (este sempre na posse de umas informações ultra-secretas que não pode partilhar…) e poucos mais — uns com conhecimentos de estratégia militar, outros versados na psicologia dos russos — creio haver pouca gente com certezas.

Uma esperança me acalenta, porém, e eu não sou optimista.

Se for verdade que a História, à segunda, transfigura-se em farsa e abandona as vestes da tragédia, nada nos garante que isto não seja tudo a brincar. No fim, Ursula von der Leyen irá tomar conta dos seus póneis na sua quinta na Alemanha e António Costa voltará para a sua casa em Benfica, onde escreverá as suas memórias dedicadas a Mário Soares. Putin retirar-se-á para a sua datcha, Trump para a Gronelândia e Zelensky voltará ao humor televisivo.

Tudo estará bem porque acaba bem. A não ser que venha aí uma nova pandemia ou algum meteorito colida com a Terra.»

MÚSICA PELA MANHÃ

O meu amigo Filhote, é Pedro de Freitas Branco, filho de Luís de Freitas Branco (o Luís Freitas Branco, segundo Biografia do Ié-Ié de Luís Pinheiro de Almeida, é fundador do Conjunto Os Claves, vencedor do Concurso Ié-Ié, realizado no Teatro Monumental, em 1965/1966, numa iniciativa do Movimento Nacional Feminino) neto do musicólogo Luís de Freitas Branco, bisneto do compositor Luís de Freitas Branco, fundou a banda Pedro e os Apóstolos, vive no Rio de Janeiro, onde desenvolve carreira discográfica com a banda de rock White.

Sobre Paul Anka disse um dia:

«Paul Anka foi um belíssimo cantor Pop, naquela fase dos "ídolos-de-penteado-à-maneira" em que o genuino Rock'n'Roll parecia ter sido morto e enterrado.
Anka foi um compositor e intérprete de uma precocidade impressionante. Tinha apenas 15/16 anos quando despontou.
E entre os seus admiradores estava o genial Buddy Holly. O homem de Lubbock, Texas, aproximou-se de Anka nos seus últimos tempos de vida em Nova York.
Adoro "You are my Destiny"... faz-me lembrar de quando ia em adolescente ao cinema ver aqueles filmes retro-série-b do "Gelado de Limão" (Lemon Popsicle).»

O que acima se vê, é o EP da ABC Paramount HP 97-01 de 1968, que contém:

Lado A

Red Sails

You Are My Destiny

Lado B

Pity, Pity

When I Stop Loving You

Arranjos e direcção de orquestra de Don Costa.

A capa do disco estafou-se, aqui, ali, acolá, nos múltiplos bailes, agora vive num encarte, descontinuado que foi arranjado à pressa, apenas para protecção do disco.


Curiosamente não encontrei, nos diversos sites da Internet, a capa original da ABC Paramount de You Are My Destiny, mas sirvo-me de outro disco do Paula Anka, também da ABC Paramount, que pertence à Biblioteca da Casa, e que é quase igual à do You Are My Destiny.

ABC PARAMOUNT/HISPAVOX – HP 97-02

LADO A

Diana

Don’t Gamble With Love

LADO B

Tell Me You Love Me

I Love You, Baby

O disco é de 1968, e foi comprado no dia 01.02.1960.

Ontem, do Paul Anka, ouvimos You Are My Destiny, hoje ouviremos Diana.

A Menina Dança?

sábado, 29 de março de 2025

POSTAIS SEM SELO


Lembro-me do cheiro do vinil, do Valentim de Carvalho, das capas dos EP e LP, do Salut les Copains, e do desespero que vivi quando o meu primeiro78 rotações do Bill Halley, que ainda cheguei a ouvir numa reles grafonola, se partiu em cacos. E das festas e reuniões, dos namoros, da animação e do divertimento espontâneo e saudável, tudo isso com a "nossa" música como pano de fundo e elemento aglutinador.

Luís de Freitas Branco no Prefácio à Biografia do Ié-Ié de Luís Pinheiro de Almeida 

DISTO, DAQUILO E DAQUELOUTRO


 Luís Montenegro não é um homem confiança.

Desde que tomou posse, ficou a pensar que, a todo o custo, teria que provocar a queda do governo para que acontecessem eleições.

Umas trapalhadas que é um novelo a que ninguém consegue dar a volta foram o pretexto.

Ninguém queria eleições, excepto Montenegro.

Acontecerão a 18 de Maio.

Aparentemente muito pouco, ou nada, irá mudar.

O meu avô dizia-me que quando houver alguém que fale das coisas melhor do que tu, escolhe o silêncio.

É por isso que convoco o editorial do Público de hoje da autoria de Helena Pereira, deu-lhe o título: Luís Montenegro e o Rei Sol.

«Se pudesse, Luís Montenegro provavelmente só aceitaria um debate televisivo com o líder do maior partido da oposição, Pedro Nuno Santos. Montenegro quer que a campanha eleitoral para as eleições de 18 de Maio se centre exclusivamente em si e no seu Governo, e está a fazer tudo para que assim seja. Quer que na cabeça dos eleitores ecoe apenas a pergunta sobre se querem ou não um governo liderado por si. E o Governo que abruptamente interrompeu funções.


É por isso que pretende reduzir ao máximo a participação em debates televisivos. É por isso que distribuiu 11 ministros como cabeças de lista pelo mesmo número de distritos, numa aposta inédita em cinco décadas de democracia.»

1.

Montenegro faz casa de luxo a preço de saldo. Moradia tem 8 casas de banho e lavandaria

Crise da habitação, pois então!...

2.

Mais de 40 mil pessoas trabalham nas 380 empresas portuguesas do sector das indústrias de defesa, que facturam em conjunto cerca de cinco mil milhões de euros. 

3.

«Quando os restantes desiludem, sobra Marcelo Rebelo de Sousa. De acordo com o barómetro da Pitagórica para o JN, TSF e TVI/CNN, o presidente da República volta a ser o político português mais popular, ultrapassando Luís Montenegro, castigado pelas polémicas com a empresa familiar e uma crise que levou à queda do Governo: são cada vez mais os que dão boa nota ao presidente (55%), e cada vez menos os que lhe dão negativa (41%). Uma imagem positiva que se fica a dever a um grupo em particular: as mulheres. São elas que fazem a diferença. Se dependesse apenas dos homens, Marcelo seria mais um entre uma longa lista de políticos desprezados.»

 

Do Jornal de Notícias

4.

Entre os partidos que foram recebidos no Palácio de Belém, o líder do CDS-PP, Nuno Melo, levantou objeções à data de 11 de Maio, por considerar que colidia com a peregrinação a Fátima de milhares de católicos empenhados em participar na celebração do 13 de Maio.

5.

Para Portugal aumentar 1,5% do PIB a despesa militar teria de gastar qualquer coisa como mais quatro mil milhões de euros anuais, para além dos atuais 3 mil milhões. Vamos perder esse dinheiro, que tanta falta faz para outros serviços do Estado?

ATÉ MORTOS VÃO A NOSSO LADO

Nestes dias deixaram-nos:

Luís Oliveira, um dos mais emblemáticos editores portugueses, fundador da Antígona Editores Refractários, morreu de paragem cardíaca na segunda-feira, em Lisboa. Tinha 84 anos e o anúncio da sua morte foi esta terça-feira revelado pela editora em comunicado. "Dono de uma força imensa e de uma energia contagiante, fazia do mundo um 'espaço de encontros que visam o prazer e a construção de um lugar ameno, deleitoso e voluptuoso'. Dançou até ao fim", escreve a equipa da Antígona na sua despedida.

O programador cultural Francisco Guedes, que esteve na origem dos festivaisliterários Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim, o Lev — Literatura emViagem, em Matosinhos, e o FLiD — Festival Literário do Douro, em Sabrosa, morreu esta segunda-feira, no Porto, aos 75 anos.


José Brandão, um dos mais relevantes designers portugueses e professor emérito da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa, morreu na quarta-feira, aos 80 anos, revelou em cominicado a instituição onde leccionava desde 2017.Fundador do B2 Atelier de Design, em 1982, com a sua mulher, Salette Brandão,foi também um dos fundadores da Associação Portuguesa de Designers.

MÚSICA PELA MANHÃ

É bem provável que ainda esteja a ser exibido por aí, o filme O Brutalista que conta a história, a velha história, de como os emigrantes foram, são, recebidos e tratados nos Estados Unidos.

O filme de Brady Corbet, considerado um dos dez melhores filmes de 2024 pelo American Film Institute, conta a história de Lászlo Tóth, brilhante trabalho do actor Adrien Brody, que lhe valeu o óscar de melhor actor, Tóth um arquitecto de origem judia sobrevivente do Holocausto, emigra para a América em 1947 para escapar à pobreza de uma Europa que se tenta levantar depois da destruição causada pela Segunda Grande Guerra. Para trás, devido a burocracias e algum infortúnio, ficam a sua mulher, e uma sobrinha órfã que ficou a cargo de ambos.

Para além do grande filme que é, destaca-se a banda sonora de Daniel Blumberg, óscar da Academia de Hollywood.

Pelo meio do filme, numa festa popular, em Marina de Carrara, Mina canta um velho êxito de Paul Anka: You are My Destiny.



POEMAS AUTOGRAFADOS


 Hoje, quem nos autografa o poema é João José Cochofel.

46º Aniversário é o volume nº 20 da Colecção Poetas de Hoje editada pela Portugália.

A Urbano Tavares Rodrigues calhou o prefácio do livro sobre a poesia de Cochofel.

«Como Roger Vailland, a cujo ouvido a palavra patrão ressoava sempre como afronta à sua dignidade de homem, o autor de 48º Aniversário se rebela contra os hábitos e estereótipos de servidão, contra a imagem lôbrega de um povode negro trajado, mudo e vencido, mas dá-se conta, ao mesmo tempo, com honrada noção dos seus limites, daquilo que lhe assiste ou para que é fadado. Nada repugna mais ao poeta João José Cochofel do que adornar-se com penachos faustosos, qualquer que seja a cor dessas galas.

                                   Homem que sou

                                   no cárcere que é o nosso,

                                   sei o que sou,

                                   dou o sangue que posso.»

 

Cochofel, como autógrafo escolheu, do livro, um poema de Rondó:

 

Canta, ó amargura,

grito fértil do tempo.

Canta sem cessar

pela noite dentro

 

Não fere os ouvidos,

cantiguinha mansa.

Rói na clausura

a alface da esperança.

sexta-feira, 28 de março de 2025

POSTAIS SEM SELO


  …pode haver sempre uma luz, mesmo nos piores pesadelos.

Nuno Pacheco, da crónica no Público de hoje.

OLHAR AS CAPAS


Cinco Dias, Cinco Noites

Manuel Tiago

Colecção Resistência nº 6

Edições Avante, Novembro de 1975

André resolveu aceitar e foi apresentado ao homem.

O encontro teve lugar nas proximidades da estação de Campanhã, distante do centro da cidade, a horas mortas e num sítio deserto. Estava uma noite baça, húmida, morna e sem cento. Depois de se esgueirarem ao longo da vedação, para lá da qual se ouviu, no silêncio, o chocar metálico de dois vagões em manobras, André e o camarada que o ia apresentar desembocaram na via. Seguiram uns cem metros e pararam atentos. No escuro e no silêncio, luziu a alguns passos e fogo de um cigarro.

- O comboio já passou – disse o camarada a despropósito.

Como em resposta, por tês vezes, o pequeno clarão do cigarro piscou no escuro. Aproximaram-se. O vulto do fumador precisou-se melhor. Aproximando-se também.

- É este o amigo – Disse o camarada.

Não se sabia se falava deste, do fumador ou dos dois.

André apertou na sua mão seca, ossuda e brusca. Agora próximo, de novo se abriu o clarão do cigarro. André mais adivinhou que viu um bigode negro e um rosto angulosos e moreno.

 Os três vultos desceram o talude junto à via férrea e seguiram por uma azinhaga sombria, enfeixada entre renques de árvores de forma confusa. Um vago e adocicado cheiro a óleos colava-se no ar. De novo se ouviu, súbito e insólito, agora mais distante, o chocar dos vagões em manobras.

NOTÍCIAS DO CIRCO

                                           O pagamento de comissões ilegais relacionadas

                                           com a venda, em 2018, da sede da Federação

                                          Portuguesa de Futebol, um prédio situado

                                         no centro de Lisboa, desencadeou na terça-feira 

                                         -feira um mega-operação da Polícia Judiciária, que

                                         já tem suspeitos.

                                                                                          Dos jornais

                                                                                            

Não chegará nunca, o dia em que as diversas autoridades deste país, entrem portas dentro dos clubes de futebol, da Federação e afins.

Porque têm medo.

Porque também são incompetentes.

Não há quem não saiba, ou não imagine, a podridão pantanosa que tudo aquilo é.

Quando o fizerem, como, por outra ordem de ideias, escreveu José Saramago:

«E CHEGARÁ O DIA DAS SURPRESAS!»

DO BAÚ DOS POSTAIS


 Colaboração de Aida Santos.

AGRÁRIO E AGRESTE

                                                                ao António Rego Chaves

 
Sobre as árvores encolhidas que gastavam
a ternura de tudo; severo,
o céu desajeitado avolumou-se.
Na testa do silêncio ao pé dos montes
as pedras adoecem entre o sangue
derrota que se imprime por palavras
se imite diminuta nos alqueives.
Sob a capa da terra e no alcance
dos dedos de fora inesperados
a rotura simples dum soluço
ferindo o estrume em breves plantas novas.
Ao longe o grito do abraço em pé
com as vergonhas cobertas de papel
os prumos os cabos o pão um ovo
o vinho deitado, aqui ao pé do choro.

Armando Silva Carvalho em Lírica Consumível

quinta-feira, 27 de março de 2025

POSTAIS SEM SELO

A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela afasta-se dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.

Eduardo Galeano

Legenda: ilustração de Jonathan Player

OLHAR AS CAPAS


Prosas Esquecidas II

Eça de Queiroz

Edição organizada por Alberto Machado da Rosa

Capa de O. Pinto

Editorial Presença, Lisboa, 1965

O jornalismo, na sua justa e verdadeira atitude, seria a intervenção permanente do país na sua própria vida política, moral, religiosa, literária e industrial.

Mas esta intervenção nos factos, nas ideias, para ser fecunda, elevada, para ter um carácter de utilidade pública e largas vistas sociais, deve ser preparada pela discussão e pelo esclarecimento da direcção governativa, do estado geral dos espíritos, do vigor das consciências, da situação pública, da virtude das leis.

REOLHARES


Por causa do crime que Carlos Moedas pretende cometer na cidade – abater jacarandás para construir um parque para automóveis – servindo-nos de REOLHARES, lembramos o que, por jacarandás, se publicou neste Cais a 4 de Junho de 2023: 

Tardes de domingo. 

Nos  anos de 70/80 António Gedeão dedicava as suas tardes de domingo a percorrer a velha Lisboa onde nasceu e viveu todo o seu tempo de andar por aqui. 

Gostava muito de fotografar e esse trabalho encontra-se em Memória de Lisboa.

É comovente ter jacarandás  perto do sítio onde moro.

E hoje, tarde de domingo, fui fotografar os 12 jacarandás que estão na Rotunda das Olaias, perto da Escola António Arroio.


Nos primeiros dias de Maio os jacararandás começam a florir pela cidade.

 Em outros tempos, fotografei (ver etiqueta jacarandás) os jacarandás do Largo do Rato, da Avenida D. Carlos I. E sempre, sempre os do Parque Eduardo VII, em tempo de Feira do Livro, numa lembrança nostálgica para o Jorge Silva Melo:

 «Não me tirem a rua dos livros ao sol, não me fechem a Feira do Livro, deixem-me, uma vez por ano, passear pelo Parque Eduardo VII de todos os jacarandás, ao cair da noite, pela fresca, deixem-me encontrar os amigos, são cada vez menos!, deixem-me queixar-me de já não ter dinheiro, nem espaço em casa para mais papelada, deixem-me voltar a casa com quilos de sacos, deixem-me a minha Feira do Livro onde ela é, é onde todos os anos eu respiro um mundo que talvez fosse maior, com mais gente, mais livros, histórias, poesias, gente a subir e a descer aos sábados à tarde, com tanto calor. E um dia gostava de filmar, porque não filmar a descoberta do amor entre um rapaz de uma barraquinha de livros em segunda mão e uma jovem escritora neurasténica, rapariga loira com as suas singularidades. Ou vice-versa, em Maio, no Parque Eduardo VII.»

O jacarandá é uma árvore exótica que chegou vinda do Brasil, da Argentina, da Bolívia ou do Paraguai

Pegue-se também no livro  A Linguagem dos Pássaros da Ana Teresa Pereira:

 «Foi num mês de Abril, há muitos anos, éramos ainda crianças. Estamos de novo em Abril, o mês mais doce, aquele de que Miguel mais gosta, o mês azul, a nossa casa fica mergulhada em lilases, que escorrem pelo jardim, sobem as árvores, por vezes chegam ao muro que dá para as rochas. É também o mês dos jacarandás, os jacarandás ao longo da rua estão cobertos de flores violetas, que vemos da janela do nosso quarto, da varanda da torre, de um lado do mar até ao infinito, do outro o mar de flores. E o sim dos pássaros, desde Fevereiro que acordo a meio da noite com os pássaros, e deixo-me ficar imóvel, ouvindo-os até adormecer de novo e despertar de manhã, para mais pássaros, e para ele.»

 E não irei embora sem trazer o Eugénio de Andrade:

«São eles que anunciam o verão.
Não sei doutra glória, doutro
paraíso: à sua entrada os jacarandás
estão em flor, um de cada lado.
E um sorriso, tranquila morada,
à minha espera.
O espaço a toda a roda
multiplica os seus espelhos, abre
varandas para o mar.
É como nos sonhos mais pueris:
posso voar quase rente
às nuvens altas – irmão dos pássaros –,
perder-me no ar.»

Também Maria João Avilez:

«Sempre tive ânsia de viver, de experimentar as surpresas maravilhosas que a vida encerra, uma grande alegria de viver. Às vezes, a luminosidade de certas tardes em Lisboa, uma árvore em flor, como esses belos jacarandás do Parque Eduardo VII, um quadro, uma pessoa que observo e que, por qualquer razão, me desperta a atenção, bastam-me».

CONTRA AS CIDADES CARECAS


Não tenho a opinião de que Fernando Medina tenha sido um bom presidente da Câmara de Lisboa. Perdeu a Câmara de Lisboa para Carlos Moedas não pelo seu trabalho à frente da edilidade, mas pelo disparate da Presidente da Junta de Arroios servir-se do carro da junta, com chofer, para «mendigar», no Mercado de Alvalade, frutas, mais o que quer seja. Esteve à frente da junta em dois mandatos, mas por todos os disparates e vaidades de Margarida Martins, o PS perdeu a junta para o PSD.

Nunca fui ao Frágil, mas contavam que, como porteira do Frágil, era uma chata, esteve na Associação da «Abraço» e foi acusada de abuso de poder e de desviar quadros da Associação.

Só por oportunismo, o que quer que seja, o Partido Socialista ter escolhido esta personagem para presidente da junta de Arroios, deu no que deu.

Carlos Moedas, quase em fim de mandato, ainda não sabe como ser Presidente da Câmara e ainda não anunciou recandidatura.

Lisboa não ganhou NADA com a substituição de Medina por Moedas.

Carlos Moedas está agora envolvido no abate de jacarandás na Avª 5 de Outubro para que seja construído um parque de estacionamento.

O Público tem vindo a publicar artigos, e um editorial, sobre mais um crime citadino.

Ontem, Pedro Franco escrevia um artigo de opinião: «O espaço público é nosso – sobre jacarandás e democracia»:

«E mais importante: porque é que a vereadora do Urbanismo e o Presidente da Câmara dizem estar de “mãos atadas” em relação à remoção destas árvores se a campanha contra o anterior executivo foi baseada numa vontade de reverter decisões do anterior mandato? Joana Almeida diz que não vão abater árvores de forma gratuita. Pois não vão fazê-lo a troco de muito dinheiro da Fidelidade, para um projecto que – note-se – vai criar muito mais escritórios do que casas, no meio de uma crise habitacional gigante. E já agora qual a necessidade de mais estacionamento se já há bastante (e haverá ainda mais) estacionamento na zona de Entrecampos, sem ser debaixo da Avenida 5 de Outubro? No meio disto tudo, a CML já montou os dispositivos de rua para começar a remover as árvores o quanto antes, o que é gravíssimo, tendo em que conta que as sessões públicas só terminam ao fim do dia 2 de Abril.»

Haverá mais de 4000 jacarandás pela cidade de Lisboa.

Ana Luísa Soares não tem dúvidas: «Com o tempo, os jacarandás tornaram-se elementos estruturantes da cidade de Lisboa, passando a fazer parte da sua identidade, inclusivamente começam a ser um símbolo da cidade. Muitos lisboetas consideram que Lisboa sem jacarandás não seria a mesma.».

Legenda. fotografia do Publico

AOS JACARANDÁS DE LISBOA

«São eles que anunciam o verão.
Não sei doutra glória, doutro
paraíso: à sua entrada os jacarandás
estão em flor, um de cada lado.
E um sorriso, tranquila morada,
à minha espera.
O espaço a toda a roda
multiplica os seus espelhos, abre
varandas para o mar.
É como nos sonhos mais pueris:
posso voar quase rente
às nuvens altas – irmão dos pássaros –,
perder-me no ar.»

Eugénio de Andrade de Os Sulcos da Sede em Poesia

quarta-feira, 26 de março de 2025

POSTAIS SEM SELO


Não gosto de sonhar, gosto de dormir bem. Sonhos gosto de os ter acordado e em boa companhia.

Júlio Pomar

Legenda: Almoço sobre a Erva, pintura de Edouard Manet

OLHAR AS CAPAS


Peter Pan

J.M.Barrie

Traução: José Manuel Lopes

Capa: Luís Alegre

Colecção Tesouros da Literatura nº 5

Fábula Editora, Lisboa, Setembro de 2017

Todas as crianças crescem, exceto uma. Depressa descobrem que irão tornar-se pessoas crescidas, e eis o modo como a Wendy veio a sabê-lo. Um dia, quando tinha dois anos, estava a brincar num jardim, arrancou mais uma flor e foi a correr para a dar à mãe. Suponho que esta tenha ficado muito extasiada nessa altura, pois a Sra. Darling pôs uma mão no peito e observou:

- Oh, por que razão não podes tu ficar sempre assim para sempre! 

DO BAÚ DOS POSTAIS

O postal enviado pelos nossos amigos Angelika e Hans-Martin, saudando uma Primavera que tarda em chegar.

Colaboração de Aida Santos 

O EXACTO BEM

Só se deve sonhar em comum.

 

O pensamento não cinge, converte.

 

É preciso despegar a alma das fibras dos sentimentos.

 

Abominar a realidade, mas não lhe fugir.

Ter documentos móveis e instantâneos, que se envolvem e decifram.

Ser um gato, parado ao sol, que abre de vez em quando

                                 uns verdes olhos, cheios de cambiantes.

Calar o medo e o pavor.

 

O que sobra de nós, fica nos outros. Que o repelem.

O constrangimento revela a diferença e a suspeita.

Nenhum entendimento entre a água e a pedra.

 

É preciso somar os minutos inconformes. E atirá-los à cara

                                                            do primeiro transeunte.


Dominar – a correr – a imaginação. Causa de tantas mortes.

 

                                                         14 de Fevereiro de 1969

 

Raúl de Carvalho  em Um e o Mesmo Livro

terça-feira, 25 de março de 2025

POSTAIS SEM SELO

e

Habituei-me a calar a dor até não sentir nada. Acreditem. Nada.

Marta Cristina de Araújo em Os Meios de Transporte

Legenda: pintura de Edward Hopper

O OUTRO LADO DAS CAPAS

As primeiras horas.

O primeiro dia.

Tudo o que aconteceu num estúdio de rádio, que passou a ser a Emissora da Liberdade.

«A seu pedido, é hoje o Joaquim Furtado quem tem o original do primeiro comunicado do Movimento. Pediu-o ao major Campos Moura, com tanto interesse e emoção, que ele deu-lho. A única condição posta foi do Furtado ter que passar à máquina uma cópia, que está em poder do major.»

Este livro é o volume nº 5 da colecção que o Público tem vindo a publicar todos os dias 25 de cada mês (cada volume custa 11,90 euros).

Como se tem vindo repetir: Rigorosamente a não perder! 

OLHAR AS CAPAS


 

Aqui Emissora da Liberdade

Matos Maia

Capa: João Viegas

Colecção 25 de Abril Os Dias da Revolução nº 5

Edição fac-simile A Bela e o Monstro/Rapsódia Final/Jornal Público, Lisboa Março de 2025

                                          «Que o poema seja microfone e fale

                                          uma noite destas de repente às três e tal

                                          para que lua estoire e o sono estale

                                          e a gente acorde finalmente em Portugal»

                                                                                      Manuel Alegre

 

E foi assim

O poema fez-se microfone.

E o microfone falou, de repente

Não às três e tal, como previa o poema.

Mas às quatro e vinte e seis.

Dum dia que já é célebre.

E é festa.

25 de Abril de 1974.

A lua estoirou.

O sono estalou.

E a gente, finalmente, acordou em Portugal.

O microfone foi o nosso,

O microfone foi o do Rádio Clube Português – a emissora da liberdade.

Palavra e acção proibidas e reprimidas durante dezenas e dezenas de anos.

Nem Manuel Alegre, nem Rádio Clube Português, nem nós , pensámos vez alguma que tal acontecesse.

Que o microfone fosse poema.

Que o microfone falasse.

E acordasse a gente em Portugal.

Mas aconteceu!

A lua estoirou e o sono estalou.

Lua que nunca mais estará encoberta.

Sono a que um povo nunca mais será obrigado.

Porque foi.

O que foi.

Como foi.

Palavras.

Depoimentos.

Verdades.

Fotos.

Tudo do posto de comando do Movimento das Forças Armadas.

Do Rádio Clube Português.

Da emissora da liberdade.

Foi daqui que o país soube.

Foi daqui que a alegrai, a angústia, o desespero, a verdade, as lágrimas saíram para as ruas.

E tomaram de assalto cidades e vilas.

Invadindo casas, penetraram no sono e na dúvida de milhares de portugueses.

Como?

Tudo está nas páginas que se seguem.

 

Matos Maia

EM BUSCA DE FLORES AZUIS NO DESERTO


 Um genocídio, é um genocídio, é um genocídio, e isso é o que a Israel, com o apoio incondicional dos Estados Unidos, está a cometer na Palestina!

«O número foi “actualizado” este domingo: 50 mil mortos em Gaza. Netanyahu prossegue o genocídio, quebrando o cessar-fogo em nome da sua sobrevivência política agora com um aval superior: Donald Trump já promete limpar a Faixa de Gaza e fazer dali “a Riviera” e dá a luz verde total ao criminoso israelita para a extinção dos palestinianos.

A “nova Europa” – França, Reino Unido e Alemanha – fez um comunicado onde se mostrou “chocada” com o ressurgimento dos ataques a Gaza. Mas não irá além disso, como o não foi o Conselho Europeu reunido na semana passada: todo e qualquer opositor da política do governo israelita será acusado de “anti-semitismo”. As palavras são sempre cuidadosamente medidas.

Afinal, Keir Starmer expurgou do Partido Trabalhista todos os que se opunham à política do Estado de Israel – como o antigo líder trabalhista Jeremy Corbyn, reeleito nas últimas eleições pela sua circunscrição londrina como independente.

A Palestina está no fim da cadeia alimentar da possibilidade de empatia internacional. Choramos pela Ucrânia, mas depois já não sobra nada para Gaza. É como se existisse uma desumanização dos palestinianos que, aos olhos do Ocidente, são olhados como há dois séculos se olhavam os escravos.

O que Trump defende é exactamente o mesmo que o ministro da Segurança de Israel, Ben Gvir, de extrema-direita – que saiu e agora, com o regresso dos ataques, reentrou no Governo. É uma Faixa de Gaza sem palestinianos, seja por migração ou por extermínio, como se está a ver.»

Ana Sá Lopes no Público de 24 de Março de 2025

MÚSICA PELA MANHÃ


«Houve um tempo em que a canção francesa tinha uma forte presença entre nós, a par da espanhola e da italiana. Essa presença foi gradualmente diminuindo com a ascensão da música anglo-saxónica e com o advento de outras, como a latino-americana e a africana. Foi assim que, antes mesmo do gradual desaparecimento físico das suas glórias, a chanson se finou entre nós, relegada para a categoria de curiosidade museológica — apesar de, em França, ela continuar viva, com a actualização que lhe conferem os seus novos actores.»


Nuno Pacheco

NO GRANDE ÉCRAN

No grande écran

a festa do homem lobo do homem

e a sua mulher de bicicleta

até que um século de furor

abra a cratera donde irrompe o rosto do poeta

as suas mãos borboletas gigantes

os seus pés peixes voadores

a sua boca asa de fogo branco

e outro século

erga a pirâmide de palavras

que se derramem docemente

de anel em anel

até ao último século


António José Forte

segunda-feira, 24 de março de 2025

POSTAIS SEM SELO


Saber sempre onde estão as costas

e o norte.


Deixar de repetir a palavra

ainda

como se pudesse salvar-me da chuva

inesperada.


Margarida Ferra em Sorte de Principiante

ARGUIDOS GOVERNANTES OU VICE-VERSA

«Apesar de ir a votos liderado por um arguido, o PSD conseguiu, ontem, aproximar-se da maioria absoluta e de uma extraordinária vitória. Basta-lhe entender-se com o CDS e a maioria de direita é sólida.

Os paralelos acabam aqui. Na Madeira, o PSD controla de forma esmagadora quase todos os domínios da sociedade e economia do arquipélago.»

Daniel Oliveira no Expresso