quarta-feira, 19 de março de 2025

O OUTRO LADO DAS CAPAS


 As Terras do Demo de Aquilino é mais uma das encadernações amadoras do meu avô. Serão algumas mas não chegam às cinquenta.

A história, já aqui contada, levou a que a capa original do livro levasse sumiço pelo que não cons ta no Olhar as Capas.

A que se apresenta, mostra a assinatura de propriedade que o meu pai colocou em alguns dos livros da Biblioteca da Casa. Eu segui o exemplo, até ao dia em que o meu pai disse que não o deveríamos fazer.

 Terras do Demo é dedicado a Carlos Malheiro Dias.

«Meu querido amigo e príncipe das letras: dê-me licença que lhe ofereça este livro, pobre de mim, rival em tudo daquele Marco Paulo, de Valentim Fernandes da Morávia, tosco nas imagens, incrível no que conta, composto até na mesma linguagem do tempo dos afonsinos. A acção decorre naqueles lugares onde a lenda se exprime ainda deste jeito: "Uma vez um homem travou do burro e partiu a correr as sete partidas do Mundo. Andou, andou até que foi dar a uma terra de que ninguém faz ideia: a gente comia calhaus e ladrava como os cães. " Circunscrito, adivinha-se, a indivíduos rudes, teve em mira este trabalho pintar dessas aldeias montesinhas que moram nos picotos da Beira, olham a Estrela, o Caramulo, a cernelha do Douro e, a norte, lhes parece gamela emborcada o Monte Marão. O vale, que as explora, trata-as despicientemente por Terras do Demo. Sem dúvida, nunca Cristo ali rompeu as sandálias, passou el-rei a caçar, ou os apóstolos da Igualdade em propaganda. Bárbaras e agrestes, mercê apenas do seu individualismo se têm mantido, sem perdas nem lucros, à margem da civilização.

O seu nome ilustre, meu querido amigo, merece-me mais que esta lápide de granito mal lavrada; chamá-lo aqui é como induzir Sarasate a presidir a uma tocata de bombo e ferrinhos. Mas para mim bateu a hora de lhe prestar homenagem. Foi a sua mão, tão forte como delicada, que me guiou ao proscénio das letras; aí me incutiu a força de ânimo necessária para persistir. Ao romper, também o meu silêncio para admirar, o romancista da Paixão de Maria do Céu, o jornalista que lá e cá mantém à sua altura a honra das letras portuguesas, está na primeira fila dos que admiro. À consagração que o Brasil acaba de lhe prestar eu junto, pois, este ramo de maias, colhidas na Serra, às mãos larga, que lhe levem aldemenos aroma e cor que não sejam fáceis de copiar por florista ou tintureiro. de seu pelo menos cor e aroma tão bravios e elementares que não mereceram ainda a honra de ser copiados por florista ou tintureiro

A obra de análise que a crítica amável houve por bem de assinalar na Via Sinuosa raro se lhe há-de deparar aqui. Tampouco malbaratei louçanias, esmaltes ou vidrilhos ou esmaltes de linguagem,  soando  falso a propósito de criaturas em que assenta até mal a gravata que os tendeiros para lá levaram. Miôma é de todas as minhas personagens a única que se interroga; é um intruso; o meio repele-o.»

A longa dedicatória, escrita no Outono de 1918 termina assim:

 «Digne-se o meu amigo aceitar esta modestíssima oferenda como preito homenagem ao seu talento ao talento e tributo à sua amizade e estarei forro de minhas penas.»

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