Será
que alguém, há 80 anos, terá pensado, como o poeta José Gomes Ferreira pensou, que «A
noite de hoje é tão diferente de todas as outras!»
CAIS DO OLHAR
sexta-feira, 21 de março de 2025
POSTAIS SEM SELO
OLHAR AS CAPAS
Mysterios de Fafe
Camilo Castelo
Branco
Colecção Obras
de Camilo Castelo Branco nº 55
Parceria António
Maria Pereira
Lisboa, 1929
Esta novella contem adultérios, homicídios, missionários
e outros scirros sociaes.
Almas em flôr de innocencia e candura, não leiam isto
que trescala podridão e gafaria, em que forçadamente a leitora, afeita ao ar
puro das regiões visinhas
do céo, há de sentir nausear-se-lhe a alma.
N’algumas quintas do Minho, ameaçadas de ladrões, erguem-se
uns postes que dizem: «aqui há ratoeiras».
Os ladrões, graças à instrucção, lêem e passam.
N’este livro inverte-se o estylo: os salteadores da pudicicia
levantam bem alto o letreiro que diz: «Aqui há ladrões».
Sem o qual letreiro, este livro seria um abysmo.
SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS
Alguém, numa daquelas sessões de autógrafos na Feira do Livro, terá, um dia, dito a José Saramago?:
«Desculpe, mas gostaria de lhe agradecer os bons momentos de leitura que os seus disparates, e outros pecados literários, me têm proporcionado!»
Não me lembro das razões de ter guardado o papelucho, não me lembro dos porquês...
OS DIAS VISTOS DO CAFÉ DO MONTE
«Cavaco Silva, José Sócrates, Luís Montenegro. Alguém devia estudar esta obsessão dos políticos lusitanos pelo imobiliário.
Uns dizem que a frase foi proferida por um anarquista mexicano, outros garantem tê-la ouvido pela primeira vez da boca de Che Guevara.
Para quem não sabe, Che Guevara, de seu nome de baptismo Ernesto Guevara de la Serna (não confundir com o espanhol Ramón Gómez de la Serna de quem aproveito para recomendar todos os livros traduzidos entre nós — e são vários), foi um revolucionário argentino com papel preponderante na luta cubana contra o ditador Fulgencio Batista – após o derrube do governo de Batista, chegou a ministro do novo governo dirigido por Fidel Castro – acabando por ser executado em território boliviano em Outubro de 1967, capturado pelas Forças Especiais da Bolívia assessoradas pela CIA. Enterrado, então, em parte incerta, as mãos decepadas enviadas para os EUA para confirmação de identidade, sobreviveria por vários anos em T-shirts e posters onde vinha impresso o seu rosto em grande plano coroado pela inevitável boina, pendurados, os posters, nas paredes dos quartos de adolescentes e jovens adultos que lhe admiravam, e invejavam, a rebeldia e coragem.»
Ana Cristina Leonardo
na crónica de hoje publicada no Público.
REOLHARES
As
viagens pelos textos já publicados neste Cais, olham hoje para Raul de
Carvalho, um poeta extraordinário que viveu uma vida complicadíssima.
Há escritores que habitam esta Biblioteca que foram comprados por mim quando nem sequer sabia quem eram.
Raul
de Carvalho foi um deles.
Texto
publicado em 3 de Setembro de 2015.
Guardo dos Suplementos Literários, principalmente os publicados durante a ditadura, as mais gratas recordações.
Raro era o jornal que não tinha o seu suplemento, quase todos publicados às quintas-feiras, uns mais bem trabalhados que outros, mas qualquer um com o seu ponto de interesse.
Para mim o mais interessante, sempre foi o do Diário de Lisboa, e recordo as críticas literárias do Alexandre Pinheiro Torres, do Mário Sacramento, do Álvaro Salema, do Eduardo Prado Coelho.
José Saramago, Vitor Silva Tavares, José Cardoso Pires, foram alguns dos coordenadores do Suplemento do Lisboa.
Do muito do que por esses suplementos fui lendo fiquei a conhecer escritores, muitos dos quais nem sequer o nome ouvira.
É o caso deste artigo de Afonso Cautela, a propósito da edição, pela Ulisseia, de uma Antologia do Raul de Carvalho e publicado no Suplemento Literário do Jornal de Notícias de 3 de Março de 1966.
Depois de o ler, fiquei de imediato com a ideia de que Raul de Carvalho era um escritor que teria de conhecer.
O dinheiro era curtíssimo e eu apontava os autores e os livros num caderdinho, na expectativa de uma qualquer oportunidade para os adquirir.
Numa tarde de sábado do ano Abril de 1972, num género de carripana, que do lado direito de quem entrava no Parque Mayer, vendia livros e revistas em 2ª mão, no meio Corins Tellado, Caprichos, Crónicas Femininas, Plateias e por aí adiante, encontrei a Poesia de Raul de Carvalho, editada em 1955 pela Portugália Editora.
Custou 5$00 que, naquele tempo, ao contrário do que se possa pensar, não era um mero preço.
Precisamente o livro em que está inserido Vem Serenidade, o tal poema que Bénard da Costa diz ser dos mais belos poemas da língua portuguesa.
Sorte de leitor.
Vem, setrenidade,
e lembra-te de nós,
que te esperamos há séculos
sempre no mesmo sítio,
um sítio aonde a morte
tem todos os direitos.
As palavras de Afonso Cautela, que lera em 1966, tinham toda a razão de ser.
Faço os
recortes:
Assim se fazia a minha alegria de leitor, aquilo que passa por ser cultura e é amor.
Aconteceu com Raul de Carvalho, com José Gomes Ferreira, com José Saramago, alguns mais.
Descobri-los, ficar uma felicidade apaixonada a rondar pelo corpo e nunca mais deixar de os ter a meu lado.
Dos vinte e cinco livros que Raul de Carvalho publicou, 13 são Edição do Autor.
Para além dos custos de composição e impressão, Raul de Carvalho tinha de andar de livraria em livraria a colocar os livros, que ficavam em lugares pouco visíveis, a tralha é que tem de ficar bem à vista.
Tardiamente faziam contas com ele e nem todas chegavam a fazê-las.
E Raul de Carvalho sempre viveu com extremas dificuldades: económicas e de saúde.
Um quotidiano de silêncios, humilhações, dificuldades inomináveis, uma descontrolada paixão pelos outros.
Mas com uma fidelidade a si próprio que tanto o maravilhava, comovia e de que tanto se orgulhava.
Viveu numa permanente solidão, uma amarga e dolorosa peregrinação, mas sempre soube de que lado estava a verdade e a justiça.
Era um doente de risco e sem ter com que pagar a alguém que o acompanhasse na doença, chegou a viver num asilo de caridade em Odivelas.
Hoje, penso que não: que adoeci, que fui
Envelhecendo, que há poucos livros úteis,
Que, para sobreviver, temos de trabalhar…
E o trabalho sem amor mata.
Não penso já no amor, penso na morte.
Não na morte que a todos nos espera, a um canto
do mundo, a um momento, não na morte final
estou pensando agora.
Jorge de Sena colocou-o entre os 100 melhores poetas do Século XX português.
E Baptista-Bastos dele escreveu:
Não o conheço de convívio, de fala, de gesto; conheço-lhe a poesia, porventura a forma mais íntima de lhe escutar a voz, lhe perscrutar as sombras, de entender os seus gritos hirtos, silenciosos, arranhados e feridos. Raul de carvalho. Um dos maiores poetas portugueses vivos, um homem marcado por suave tristeza, solidão proliferante em todos os mansos movimentos e, num escrínio raro, os poemas que escreveu, falando de si como se dos outros, de todos nós, falasse.
Em 1984, quis participar na IV Bienal de Vila Nova de Cerveira com uma comunicação sobre a jovem poesia portuguesa, que não chegou a apresentar.
Na madrugada de 12 para 13 de Agosto, o seu primeiro dia de estadia na vila, foi encontrado caído no chão da casa onde dormia.
Levaram-no para o hospital de Viana de Castelo, mas dada a gravidade do seu estado, encaminharam-no para o Hospital de S. João.
Com alta do hospital, foi repousar para casa do seu amigo Albano Martins, no Porto. Foi aí que uma pneumonia, no dia 3 de Setembro, colocou um ponto final no calvário dos dias atribulados que viveu.
No dia seguinte completaria 64 anos.
Ironias do destino, ou o que lhe quiserem chamar.
VIVAM, APENAS
Vivam apenas.
Sejam bons como o sol.
Livres como o vento.
Naturais como as fontes.
Imitem as árvores dos caminhos
que dão flores e frutos
sem complicações.
Mas não queiram convencer os cardos
a transformar os espinhos
em rosas e canções.
E principalmente não pensem na Morte.
Não sofram por causa dos cadáveres
que só são belos
quando se desenham na terra em flores.
Vivam, apenas.
A Morte é para os mortos!
José Gomes Ferreira de
Comício em Poesia I
quinta-feira, 20 de março de 2025
POSTAIS SEM SELO
Algo está sempre a
acontecer. Por isso escrevo. Escrevo porque algo aconteceu ou acontece.
Escrever é isso, mas escrever é sobretudo produzir acontecer.
Ana Hatherly em Tisanas
Legenda: pintura de Georg Schrimpf
POEMAS AUTOGRAFADOS
Regressamos aos Poemas Autografados.
José
Gomes Ferreira, constantes da Colecção Poetas de Hoje, tem 3 volumes
publicados.
Ficamos
com o autógrafo da sua Poesia I.
É
o nº 5 da colecção e o o prefácio é da autoria de Alexandre Pinheiro Torres:
«José
Gomes Ferreira, um dos mais notáveis poetas da língua portuguesa deste século,
nasceu no Porto, em 1900.»
O poema pertence a Heróicas, penúltimo capítulo da Poesia I:
Que me importa cantar!
Eu não sou poeta de
canções
para embalar
ninhos nos corações.
Sou este ímpeto de gelo
de lâmina
que se levanta mudo
diante de tudo.
(E quem me impede
de ter alma e sede?)
Mas quando canto
- as minhas canções
ásperas
de vagabundo
sabem ao espanto
dum rio sem foz…
E na minha voz
sangra o desespero do
mundo.
TRUQUE DO VENENO
ofereço-te uma laranja
tenho sempre laranjas escondidas no fundo das algibeiras
berlindes como olhos assustados de pantera, cordéis encerados
bons para estrangular
lâminas doces para abrir sinais de vida sobre a pele
e uma faca quebrada que me ajuda a recordar alguns nomes de cidade
o pior é que nos jogos de laranjas, mesmo nos mais difíceis
quem PERDE GABHA
sabemos que o veneno age sempre dos pés para a cabeça
estonteia
espero, atento à última convulsão
mais tarde, desato o cordel
retiro a faca profundamente enterrada, recuo um pouco
contemplo o sangue e a obra, esvazio as algibeiras
substituo os objectos, descalço as luvas
apago as impressões digitais, falsifico as fotografias
lavo demoradamente o sangue e o esperma da boca
saio para a rua, clandestino
procuro outro puto tardio pela cidade
seduzo-o com a imagem deslavada duma laranja, recomeço
o inocente jogo
Al Berto de Alguns Truques de Ilusionismo em O Medo
quarta-feira, 19 de março de 2025
POSTAIS SEM SELO
Há um rio que nasce
dentro de nós, corre por dentro da casa e desagua não no mar, mas na terra.
Mia Couto
CONVERSANDO
Devastámos
o planeta, destruímo-lo.
Criámos
para os nossos filhos quase tantos problemas – ou mais!, como os que recebemos
dos nossos pais.
Ou o grito que o Zé Gomes Ferreira deixou na sua Poesia II:
Os filhos dos nossos
filhos hão-de insultar-nos: «covardes! Que nos deram um planeta sujo!»
O OUTRO LADO DAS CAPAS
As Terras do Demo de Aquilino é mais uma das encadernações amadoras do meu avô. Serão algumas mas não chegam às cinquenta.
A história, já aqui contada, levou a que a capa original do livro levasse sumiço pelo que não
cons ta no Olhar as Capas.
A que se
apresenta, mostra a assinatura de propriedade que o meu pai colocou em alguns
dos livros da Biblioteca da Casa. Eu segui o exemplo, até ao dia em que o meu
pai disse que não o deveríamos fazer.
«Meu querido amigo e príncipe das letras: dê-me licença que lhe ofereça este livro, pobre de mim, rival em tudo daquele Marco Paulo, de Valentim Fernandes da Morávia, tosco nas imagens, incrível no que conta, composto até na mesma linguagem do tempo dos afonsinos. A acção decorre naqueles lugares onde a lenda se exprime ainda deste jeito: "Uma vez um homem travou do burro e partiu a correr as sete partidas do Mundo. Andou, andou até que foi dar a uma terra de que ninguém faz ideia: a gente comia calhaus e ladrava como os cães. " Circunscrito, adivinha-se, a indivíduos rudes, teve em mira este trabalho pintar dessas aldeias montesinhas que moram nos picotos da Beira, olham a Estrela, o Caramulo, a cernelha do Douro e, a norte, lhes parece gamela emborcada o Monte Marão. O vale, que as explora, trata-as despicientemente por Terras do Demo. Sem dúvida, nunca Cristo ali rompeu as sandálias, passou el-rei a caçar, ou os apóstolos da Igualdade em propaganda. Bárbaras e agrestes, mercê apenas do seu individualismo se têm mantido, sem perdas nem lucros, à margem da civilização.
O seu nome ilustre, meu querido amigo, merece-me mais
que esta lápide de granito mal lavrada; chamá-lo aqui é como induzir Sarasate a
presidir a uma tocata de bombo e ferrinhos. Mas para mim bateu a hora de lhe
prestar homenagem. Foi a sua mão, tão forte como delicada, que me guiou ao
proscénio das letras; aí me incutiu a força de ânimo necessária para persistir.
Ao romper, também o meu silêncio para admirar, o romancista da Paixão de Maria
do Céu, o jornalista que lá e cá mantém à sua altura a honra das letras
portuguesas, está na primeira fila dos que admiro. À consagração que o Brasil
acaba de lhe prestar eu junto, pois, este ramo de maias, colhidas na Serra, às
mãos larga, que lhe levem aldemenos aroma e cor que não sejam fáceis de copiar
por florista ou tintureiro. de seu pelo menos cor e aroma tão bravios e
elementares que não mereceram ainda a honra de ser copiados por florista ou tintureiro
A obra de análise que a crítica amável houve por bem de assinalar na Via Sinuosa raro se lhe há-de deparar aqui. Tampouco malbaratei louçanias, esmaltes ou vidrilhos ou esmaltes de linguagem, soando falso a propósito de criaturas em que assenta até mal a gravata que os tendeiros para lá levaram. Miôma é de todas as minhas personagens a única que se interroga; é um intruso; o meio repele-o.»
A longa
dedicatória, escrita no Outono de 1918 termina assim:
OLHAR AS CAPAS
Terras do Demo
Aquilino Ribeiro
Livrarias Aillaud e Bertrand, Lisboa 1919
Assim corria o oiro para as gavetas do Gaudêncio; e,
porque era amigo de bem servir e nada onzeneiro nas contas, quem caísse uma vez
na estalagem não demandava outra. Desta guisa enriqueceu, e não como se reza de
hospedeiros que, de noite, vão cravar no coração o marchante enliçado do sono e,
pela calada, depois do roubo, enterram o cadáver no quintal da locanda, debaixo
de duas varas de terra a que dão ar de
não bulida. José Gaudêncio era a honra
em pessoa. Desfeitas nunca as fez e só as recebeu da filha, a Rosalina, se
deixar lograr pelas sete falinhas doces dum recoveiro, cantarino e pé leve, que
devia na pousada de comes e bebes ao redor de cinco libras. Assim lhe pagou o
maninelo, cobrindo-lhe a moça, por amor de quem arrifavam na Serra os morgados
de mais teres. Muita gente se benzeu, rapariga tão mimosa e desenxovalhada, de
boa família, escorregar com um frangalhoteiro das dúzias. Berimbau, isto de
fêmeas, na maré do carvoeiro, nem fechadas numa torre estão seguras. E mais a
Rosalina, de olhos pestanudos e tão mexidos, que a cada mirada, pareciam negacear
a castidade de um santo!
Foi uma vergonhaça naquela casa; o Gaudêncio perdoou,
mas, mais de ano, não lhe conheceu o corpo camisa lavada para festa ou romaria.
MÚSICA PELA MANHÃ
Donald Trump não é apenas um louco, um idiota, é um homem extraordinariamente perigoso e já está a destruir a Democracia nos Estados Unidos, um monstro sem princípios, ideais, valores.
Como é que há gente que vota num tipo destes para dirigir um país?
Como é que
consegue encontrar milhares e milhares de indivíduos, ao redor do mundo, que o
seguem, que o admiram até às últimas consequências do disparate?
Agora decidiu limitar
ou proibir o uso de centenas de palavras e expressões.
O artigo de
António Rodrigues no Público é elucidativo.
Palavras como mulher, incapacidade, activismo,
anti-racismo, designado como homem/mulher à nascença, crise climática,
discriminação, diversidade, inclusão, exclusão, feminismo, Golfo do México,
discurso de ódio, imigrantes, injustiça, LGBTQ+, homens que têm sexo com
homens, saúde mental, minorias, pessoas grávidas, transexual, transgénero,
trauma, vítima, sexo, estão proibidas.
«Na lista também consta a proibição de utilizar Golfo do México para designar o Golfo… do México. No seu primeiro dia de regresso ao cargo de Presidente, Trump emitiu uma ordem executiva a nomeá-lo Golfo da América, como se a toponímia pudesse variar quando uma pessoa quisesse. Mas, pelos vistos, nestes estranhos tempos em que nos toca viver, isso acontece e a uma velocidade estonteante.»
Registe-se
ainda:
«Timothy Noah, num artigo publicado na semana passada na New Republic,
confirmava que a lista do New York Times não era exaustiva, tal como os
autores do artigo salientavam, lembrando que o secretário da Defesa, Pete
Hegseth, havia acrescentado Enola Gay à lista de expressões censuráveis,
apagando assim o nome do avião que lançou a primeira bomba atómica (Hiroxima)
dos sites oficiais. E com ele, provavelmente, o grande êxito homónimo
dos Orchestral Manoeuvers in the Dark.
Hegseth, homem com longo passado de alcoolismo, acusações de assédio sexual e suspeitas de abusos de mulheres, pode até concordar com o bombardeamento de Hiroxima, o que não considera adequado é usar a palavra “gay” no nome do avião. “O lançamento da primeira bomba atómica foi durante muito tempo objecto de controvérsia, mas nunca por ter sido woke”, diz Noah.»
PREPARAÇÃO DA TERRA
Comprei finalmente
a floreira, agora suspensa
no parapeito da cozinha.
Entre o armário e o balcão,
pode ser que sirva
ainda
de lugar a andorinhas e ervas aromáticas.
O vento há-de trazer-me
tudo isso e também
escapes, monóxido de carbono.
Esgotadas as emendas
e todos os outros males,
dediquei-me
com minúcia
e seriedade
(o possível)
a criar na terra as palavras
normais que me sobravam
no fundo dos bolsos
Margarida Ferra
terça-feira, 18 de março de 2025
NOTÍCIAS DO CIRCO
O Governo já se encontra em gestão mas quer passar para os privados 174 centros de saúde agregados aos cinco hospitais que virão a ser PPP.
A
notícia é do Expresso:
«Relançamento das parcerias público-privadas em cinco hospitais inclui todas as estruturas de cada uma das cinco unidades local de saúde. As ULS que têm os hospitais de Braga, Loures, Vila Franca de Xira, Amadora-Sintra e Garcia de Orta servem mais de um milhão e 700 mil pessoas. Privados esperam para ver se as propostas interessam.»
Esta de os privados esperarem para ver se as propostas interessam, não lembraria ao careca!...
O poeta, Nuno Júdice, que nos deixou em 17 de Março de 2024 – um ano, como o
tempo voa! – deixou escrito num poema:
«A medicina é uma arte
do comércio.»
Outro
poeta, Marta Cristina Araújo, também disse que:
« Que importa o nome das doenças, se o dinheiro não chega para pagar a cura? Os pobres quando adoecem deitam-se e tomam chá.»
Sempre
soubemos o que o governo do homem de Espinho tinha como prioridade primeira a
destruição do Serviço Nacional de Saúde e entrega-lo, de mão beijada, aos
privados.
Vamos
deixar?
Temos
a possibilidade de nas eleições de 18 de Maio evitar que isso aconteça.
OLHAR AS CAPAS
O Jogador
Dostoievski
Versão
portuguesa de Armando Luiz
Colecção Livros
RTP nº 3
Editorial Verbo,
Lisboa s/d
Passaram dois dias sobre aquela tarde tão estúpida,
Quantos gritos, ruído, vozes e surpresas! Que desordem, que estupidez e
vilania! E o culpado de tudo era eu! O que por vezes dá vontade de rir, a mim
pelo menos. Não consigo compreender o que se passa comigo, se efectivamente me
encontro num estado de alheamento ou, se, simplesmente, perdi a cabeça e
provoco escândalos – isto, enquanto não for interditado. Às vezes parece-me que
estou a ficar louco. Outras vezes, no entanto, convenço-me estar de regresso à
infância, aos bancos da escola, e o que faço serem apenas grosserias de
colegial.
Polina é que tem a culpa de tudo! Se não fosse ela,
não tereia surgido em mim esse espírito de colegial. Quem sabe, talvez isto
tudo se deva ao desespero (por mais estúpido que pareça). E não compreendo, não
consigo compreender o que haverá de bom nela! Formosa, claro que é. Creio até
que é sedutora. Porque também enlouquece outros além de mim.
EM BUSCA DE FLORES AZUIS NO DESERTO
«Mais de 300 pessoas morreram esta madrugada na sequência de uma vaga de ataques israelitas sobre a Faixa de Gaza, informou, citado pela Reuters, o Ministério da Saúde daquele território palestiniano controlado pelo Hamas. A ofensiva atingiu o enclave de norte a sul, incluindo a Cidade de Gaza, Khan Younis e Rafah, e há civis e crianças entre as vítimas. Após os pesados ataques, o exército israelita emitiu ordens de evacuação para várias zonas de Gaza.
"Israel vai doravante agir contra o Hamas com força militar crescente", declarou esta noite, em comunicado, o gabinete do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, justificando a acção com a "recusa repetida" do Hamas em libertar 59 reféns que permanecem em cativeiro desde os atentados de 7 de Outubro de 2023, além de rejeitar todas as ofertas que recebeu do enviado presidencial dos EUA, Steve Witkoff, e dos mediadores. "Esta noite regressámos ao combate em Gaza", declarou por sua vez o ministro israelita da Defesa, Israel Katz.»SE TU POTEVI, O SOL DA QUELLA VISTA
Meu caro, a inércia é filha do frio, este filho do
tempo,
Pai de Todos os males.
Tenho dentro de mim um meteorologista
Disfarçado de poeta húmido.
O sol que tanto reverenciei em puro êxtase,
E cantei como se ele fora
A aurora do futuro
Mudou-se por mim em lua despeitada.
Esconde-se essa senhora,
Umas vezes altiva, outras vezes submissa,
Troca de face, de porte, de vestido,
Não me sabe entender no meu pensar sisudo.
Não sabe ou então sabe de mais,
Que a minha cabeçorra não vislumbra a ciência
Que ma desvela pálida,
Ou amareladamente inquietante.
Emimesmado estou, que é o mais correcto
Para quem de si só cuida conhecer o pouco
Que os deuses autorizam. Não durmo, não me atino
E queixo-me de tudo.
Armando Silva Carvalho em Resumo: a poesia em 2010
segunda-feira, 17 de março de 2025
NOTÍCIAS DO CIRCO
Segundo os jornais e as televisões do dia de hoje, ficou a saber-se que foi marcado o julgamento da «Operação Marquês» para o dia 3 de Julho.
Será
desta que acontecerá o julgamento?
Nunca
se sabe, e José Sócrates já disse que não concorda com a decisão, e utilizará
«todos os meios» para contestar a decisão.
Recuando
no tempo, sirvo-me do livro Pela Boca Morre o Peixe de João Pombeiro,
editado pela Esfera dos Livros para lembrar uma resposta a uma entrevista de José
Sócrates enquanto ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território em 16 de
Setembro de 2000:
«Não! Primeiro, porque não tenho o talento e as qualidades que um
primeiro-ministro deve ter. Segundo, porque ser primeiro-ministro é ter uma
vida na dependência mais absoluta de tudo, sem ter tempo para mais nada. É uma
vida horrível e que eu não desejo. Ministro é o meu limite.»
VIVER NO DESESPERO, DESEJAR A MORTE
«É possível viver no desespero e não desejar a morte?» Imaginava, à laia de divertimento, ler esta pergunta numa espécie de inscrição que um gigantesco morcego de asas desdobradas, semelhante ao que podemos ver na gravura Melancolia de Durer, trazia suspensa das unhas por sobre o mar, à medida que o vaporzinho se ia aproximando, rapidamente, da ilha de Capri. Talvez fosse a atmosfera do temporal iminente a sugerir-me a analogia com a gravura do pintor alemão. Tal como nesta, um arco-íris encurvava as suas cores claras contra o fundo do céu sombrio e o grande despenhadeiro vermelho de Capri alcantilava-se a pique sobre um mar calmo e escuro que, aqui e além, cintilava em ofuscantes reflexos como folha de chumbo riscada pela ponta de uma faca. Nesta paisagem, que parecia a expectativa de uma catástrofe, a inscrição com a pergunta sobre o desespero calhava bem; tal como calhava bem o morcego, pseudo ave crepuscular de voo lúgubre e grito estrídulo. De resto, a pergunta assaltava-me já há algum tempo: não sendo capaz de lhe dar resposta satisfatória, tinha-a sempre diante dos olhos, mesmo em sonho.»
Alberto Moravia
DIFERENÇAS PROGRAMÁTICAS
Os programas mensais da Cinemateca Portuguesa já não se publicam em desdobrável.
Este, Março de 2011, foi o último.
Capa
do programa da Cinemateca Francesa, Janeiro /Fevereiro 2007, trazido de Paris pelo
Luís Miguel Mira.
É
um livrinho de 112 páginas, profusamente ilustrado.
Pode-se avaliar, questões de orçamentos, das respectivas diferenças.
Desconheço se, hoje em dia, mantém o mesmo formato.
OLHAR AS CAPAS
As Pupilas Do Senhor Reitor
Júlio Dinis
Livraria Civilização, Porto 1959
José das Dornas era um lavrador abastado, sadio, e de
uma tão feliz disposição de génio, que tudo levava a rir; mas desse rir
natural, sincero, e despreocupado que lhe fazia bem, e não do rir dos
Demócritos de todos os tempos – rir céptico, forçado, desconsolador, que é mil
vezes pior do que o chorar.
Em negócios de lavoura dava, como se costuma dizer,
sota e ás ao mais pintado. Até o Sr. Morais Soares teria que aprender com ele.
Apesar dos seus sessenta anos, desafiava em robustez a actividade de qualquer
rapaz de vinte. Era-lhe familiar o canto matinal do galo, e o amanhecer já não
tinha para ele segredos não revelados. O sol encontrava-o sempre de pé, e em pé
o deixava ao esconder-se.