segunda-feira, 22 de abril de 2024

OLHAR AS CAPAS


M.F.A. e Revolução Socialista

César Oliveira

Capa: Dorindo Carvalho

Colecção Teoria e Prática nº 2

Diabril Editora, Lisboa, Abril de 1975

Ter-se-á clarificado nestas páginas o caminho para o avanço do  socialismo em Portugal.

VIAGENS POR ABRIL



 

                   Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                            João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.

22 de Abril de 1974

Os jornais trazem nas suas primeiras páginas, fotografias do almoço íntimo que o chefe de estado Almirante Américo Tomás ofereceu, ontem, no Palácio Nacional de Belém do Chefe do Governo.

Sem protocolo, revestido de cunho de cordialidade, num ambiente extraordinariamente amistoso, escreveram os jornalistas. Não adiantaram os motivos do festim mas, sabe-se por portas travessas que Tomás, com esta reunião, tentou conciliar os ministros que, ouvia-se pelos corredores, andavam às turras, uns com saudades de Salazar, outros por Marcelo andava tropeçar nos próprios passos.

Olha-se a fotografia, publicada pelo ultra-fascista jornal Época, e vemo-los descontraídos e sorridentes.

Desconheciam ainda que almoçavam, todos juntos, pela última vez, tal como desconheciam que poucos dias faltavam para deixarem de sorrir.

O pânico haveria de tomar conta das suas excelsas e distintas pessoas.

O JORNAL REPÚBLICA conseguiu, numa pequena notícia, dar conta que quatrocentos democratas marcaram presença na homenagem a Óscar Lopes.

No mesmo jornal, o jornalista e escritor Álvaro Guerra, encarregado pelos capitães da ligação com a imprensa, no seu habitual Ponto Crítico, abordava a meteorologia e, se pudéssemos ter decifrado as entrelinhas, teríamos ficado a saber que o tempo ia mesmo mudar.

«A Primavera continua chuvosa, um resto de invernia que se arrasta, retardando o sol aquém, de tantos sóis adiados, se vai fartando e chegando ao Inverno da vida com um levíssimo e já frio raio de luz teimando penetrar na floresta desencantada da memória.
Naturalistas, alegóricos, nostálgicos, vamos seguindo os caprichos do clima, mitigando a ausência das palavras primaveris com a decifração de eternos boletins meteorológicos.»

OTELO SARAIVA DE CARVALHO comunica aos seus camaradas que tem pronto o Plano Geral das Operações.

DINIZ DE ALMEIDA, em Origens e Evolução do Movimento de Capitães, conta, que neste dia, «Grândola» de José Afonso foi escolhida como canção-segunda-senha para saída, em todo o país, dos regimentos afectos ao Movimento dos Capitães.

A canção foi escolhida por Almada Contreiras que, mais tarde, justificará a escolha: «em primeiro lugar, porque sou alentejano, depois porque gosto muito da canção. Se fosse minhoto, provavelmente a senha seria um “vira”, não sei».

SOBRE A TERRA

Sei que estou vivo e cresço sobre a terra.
não porque tenha mais poder,
nem mais saber, nem mais haver.
Como lábio que suplica outro lábio,
como pequena e branca chama
de silencio,
como sopro obscuro do primeiro crepúsculo,
sei que estou vivo,
vivo sobre o teu peito,
sobre os teus flancos,
e cresço para ti.

Eugénio de Andrade de Cumplicidades do Verão em Poemas 

domingo, 21 de abril de 2024

VIAGENS POR ABRIL


                   Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                            João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.


21 de Abril de 1974

Há 50 anos, o dia 21 de Abril calhou a um domingo, um dia simpático para que Américo Tomás, juntasse, no Palácio de Belém, sem  saber que o faria pela última vez, num almoço íntimo, algumas das principais figuras da vida nacional, e outras personalidades.

Para além da veneranda figura, sentaram-se à mesa, Marcelo Caetano, os presidentes da Assembleia Nacional, da Câmara Corporativa e do Supremo Tribunal de Justiça, os ministros da Defesa Nacional, da Justiça, das Finamças, o procurador geral da República, os conselheiros de estado dr. Albino Reis, prof. Costa Leite (Lumbrales), dr. Luís Supico Pinto, o governador civil de Lisboa, o deputado contra- almirante Henrique Tenreiro.

Não se sabem razões para a realização do festim, tão pouco foi pública a ementa.

Quatro dias depois deste festim, aconteceria a tal madrugada que Sophia registou para a História.

DINIZ DE ALMEIDA no seu livro Origens e Evolução do Movimento dos Capitães, regista que a redacção do programa do Movimento havia-se entretanto processado a partir de um documento inicialmente discutido entre Almada Contreiras, Martins Guerreiro e Melo Antunes.

Nessa redacção intervieram:

Pela Armada: Crespo, Contreiras, Lauret, Simões Teles, Vidal Pinho.

Pelo Exército: Melo Antunes, Costa Brás, Charais, Vítor Alves, José Maria Azevedo.

Pela Força Aérea, praticamente fora do assunto, só se fará sentir a sua opinião já no final dos trabalhos, em 24 de Abril de 1974.

A versão definitiva do programa, passada à máquina directamente pelo próprio Hugo dos Santos, ficou estabelecida em casa de Vítor Crespo, no dia 21 de Abril de 1974, domingo (epílogo das muitas reuniões efectuadas sobre o programa).

NA PRAIA DA AGUDA, em Gaia, e por iniciativa do jornal Opinião, realizou-se um jantar de homenagem  a Óscar Lopes.. A censura interveio com uma série de cortes pelo que as notícias publicadas, pouco ou nada referem. Os serviços da censura avisavam que as fotografias e as legendas da homenagem teriam que ser enviadas ao Dr. Ornelas.

EM ABRIL DE 1974, Portugal era um país onde coexistiam a maior miséria e a riqueza mais faustosa. Com oito milhões de habitantes, em cada mil crianças nascidas 56 morriam antes de completarem um ano de idade e em cada mil habitantes 15 morriam de tuberculose pulmonar. Apenas 40 por cento da população tinha água em casa e 75 por cento não dispunha de esgotos. Em cada 100 portugueses 37 eram analfabetos e em cada 100 alunos que frequentavam o ensino primário 30 não o completavam e apenas 2 por cento vinham a obter uma graduação universitária.

E havia uma guerra em África. 

Milhares e milhares de mortos, feridos, estropiados.

A Pátria não se discute, defende-se!

PASSAGEM PELO LIVRO  40 Anos de Servidão de Jorge de Sena:

«Uma vez eu, chegando a Portugal 

após muitos anos de ausência minha e alguns

de guerras africanas, encontrei uma vizinha

muito estimável que era casada com

um operário categorizado e antigo republicano.

O filho dela estava nas Africas, arriscando

a vida dele e a dos outros em defesa

do património da pátria de alguns (muito mais

que das gerações brancas que vivem nas Áfricas).

Eu condoí-me, todo embebido de noções políticas.

E ela, com um sorriso resignado, respondeu-me:

- Pois é, mas ele está a ganhar tão bem!»

EM SANTA MARIA DE BELÉM realizou-se a tradicional bênção dos bacalhoeiros, repetida todos os os anos por ocasião da partida da frota para os mares da Terra Nova e da Gronelândia.

OLHAR AS CAPAS

A Defesa Acusa

Álvaro Cunhal, Francisco Migue, António Lourenço

Capa: Luís Filipe da Conceição

Colecção Resistência nº 3

Edições Avante, Lisboa, Abril de 1975

Podem todos estar certos de que o dia virá em que a consideração de todos estes crimes terá lugar num outro julgamento em que serão outros os réus.

sábado, 20 de abril de 2024

POSTAIS SEM SELO


Cada dia, quando chega ao fim, é ele próprio passado.

António Borges Coelho 

VIAGENS POR ABRIL


  

            Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                     João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.


20 de Abril de 1974

 

DENTRO DE UM LIVRO, um guardanapo de papel com versos de um poema do José Gomes Ferreita:

«Esperança: o teu nome verdadeiro é teimosia de querer ouvir as pedras a cantar.»


Nas paredes da cidade começam a aparecer inscrições: O 1º DE MAIO É VERMELHO!


NA NOTA DA DGS, que acima se reproduz o recorte, publicada nos jornais.

Pode ler-se:


«A Direcção-Geral de Segurança fez divulgar, através da Secretaria de Estado de Informação e Turismo”, a seguinte nota:
“Desde o início do corrente mês, mas com maior intensidade nos últimos dias, tem-se verificado por parte de várias organizações comunistas, uma grande actividade na difusão de panfletos e outras actuações de propaganda através das quais se incita a acções revolucionárias no 1º de Maio.
Com base nas averiguações feitas, foram detidos em Lisboa 15 indivíduos e 15 no Porto, especialmente aos sectores de “informação e divulgação” daquelas organizações, alguns dos quais estão de há muito referenciados como seus orientadores activos.

As averiguações conduziram a apurar que era nas oficinas do semanário «Notícias da Amadora que se imprimia muito do material subversivo, tendo nelas sido apreendidos largos milhares de exemplares de panfletos revolucionários.»

NA 1ª PÁGINA  do Diário de Notícias, com a respectiva fotografia, lia-se que o «venerável chefe de estado Almirante Américo Thomaz» visitara uma feira de antiguidades na FIL.

NUMA BREVE NOTÍCIA O Século informava que três jovens, dois canadianos e um argentino, foram detidos sob a acusação de prática de imoralidade. Foram presos por, segundo o agente da PSP, estarem descalços e de tronco nu deitados na relva. No relatório enviado ao Comando da corporação, o agente informa que aqueles cidadãos estrangeiros estavam a ofender a moral pública.

NA SECÇÃO de Breves notícias, o Expresso informava que o governo tinha autorizado  Miguel Quina a localizar um estaleiro de reparação na Cova do Vapor e Champalimaud pediu autorização para abrir um banco de investimento em Angola e instalar uma frota de navegação de longo curso para o comércio entre Moçambique e Angola,

NESTE DIA conta Otelo Saraiva de Carvalho no seu livro Alvorada em Abril, que Vítor Alves lhe perguntou qual era a percentagem de probabilidades de êxito que ele atribuía ao movimento.
Otelo respondeu:
«Não entrando em linha de conta com os imponderáveis, garanto uma probabilidade de êxito de oitenta por cento para uma vitória concretizada em doze horas a partir da Hora H.
Vítor Alves olhou-o “estupefacto” e comentou:
Booolas! Se me tivesses respondido com vinte por cento de probabilidades de êxito, eu tinha achado sensacional! Invertendo os valores e garantindo oitenta, não estarás, como de costume, a ser demasiado optimista?»

OLHAR AS CAPAS


O «Socialismo» Que Eu Vivi

Cândida Ventura

Prefácio: Artur London

Capa: João Segurado

Editora O Jornal, Lisboa, Setembro de 1984

Este livro não é um livro de memórias nem pretende ser um estudo crítico do estalinismo nos países do Leste e no Partido Comunista Português. Também não tem a veleidade de constituir um estudo sobre a acção do movimento comunista internacional. É apenas um testemunho sobre uma parte da minha vida, aquela onde pus o que julgo ser o melhor de mim própria.

NOTÍCIAS DO CIRCO

«O ano de 2023 foi memorável. O sector bancário lucrou quase 12 milhões de euros por dia. Os cinco maiores bancos apresentaram 4,3 mil milhões de euros de resultados líquidos. O BCP, por exemplo, quadruplicou os resultados. Na EDP os lucros cresceram uns estrondosos 40%. Nos CTT cresceram 66%. A Galp teve o melhor resultado de toda a sua existência – fez-se história. Na Sonae os lucros subiram para 354 milhões; na Jerónimo Martins, os resultados cresceram 28%. Estas empresas, está bem de ver, precisam de ser acarinhadas.»

Ana Drago

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


 

Que era o escrever até 1974?

«Iludir a censura, acautelar o tema, aperfeiçoar a entrelinha» disse José Saramago.

Sim, este país teve, uma censura de coronéis-analfabetos a policiarem o pensamento do povo.

Este é um corte total de uma prosa de José Saramago que se destinava a ser publicada no Notícias da Amadora de 9 de Fevereiro de 1974.

A CINEMATECA E OS 50 ANOS DE ABRIL


Em anteriores aniversários redondos (nos 10, 25 e 40 anos) a Cinemateca levou a cabo importantes iniciativas de celebração no exato dia 25 de Abril. Aos 50 anos, a imensidade de memórias, reflexões e interrogações que a data nos sugeria no próprio território do cinema, exigiu outra escala de tempo, invadindo um ano inteiro de programação desde janeiro até dezembro. Se todo o ano de 2024 tem sido assim contaminado por esta evocação, seja de forma direta seja de forma indireta, nomeadamente através do Ciclo “O que Farei Eu com Esta Espada?”, reservámos para abril a componente mais festiva e intensa desta celebração. Para além dos Ciclos “Ir ao Cinema em 1974”, “O Outro 25 de Abril” (em colaboração com a Festa do Cinema Italiano) e do panorama dedicado ao cinema moçambicano desde a independência até à atualidade, vamos de forma muito intensa nos dias 25, 26 e 27 voltar a exibir as “imagens de Abril”, seja nas obras de referência da época, em filmes posteriores que a evocam, ou até em alguns documentos inéditos entretanto recuperados. No feriado de 25 de abril, voltaremos a abrir as portas da Sede, de manhã à noite e com acesso gratuito, para uma maratona de imagens dessas várias tipologias. Logo na manhã do mesmo dia 25 de abril, às 11h, será inaugurada a instalação Sempre – A palavra, o sonho e a poesia na rua da realizadora e artista visual Luciana Fina, convidada pela Cinemateca para uma evocação livre do tema. Na tarde de dia 27 apresentaremos de novo (repetindo e renovando a experiência feita nos 70 anos da Cinemateca) uma longa sessão de homenagem ao cinema português, numa “montagem crua de bobines” de filmes de múltiplos géneros, em diálogo com a nossa História contemporânea.

sexta-feira, 19 de abril de 2024

VIAGENS POR ABRIL


                    Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                             João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.


19 de Abril de 1974

O que acima se reproduz, é a legenda de uma fotografia publicada na 1ª página de O Século, que dava conta que o ministro do interior César Moreira Baptista deslocou-se ao Porto para a tomada de posse do Governador Civil.

«Para a sua primeira deslocação ao Porto como ministro do Interior, o dr. César Moreira Baptista escolheu mais democrático dos meios de transporte ao seu alcance: o comboio. Como um vulgar passageiro embarcou, no rápido das 8 e 40 em Santa Apolónia e, ora entretido na leitura, ora contemplando a paisagem através das amplas “vidraças” da carruagem, “venceu, a distância, chegando ao Porto à hora do almoço, para, durante a tarde e a noite cumprir o programa oficial que ali o aguardava.»

Apenas três pormenores: o repórter invoca o comboio como o mais democrático meio de transporte, o ministro como «vulgar passageiro» e durante a viagem, entretido com a paisagem ou com a leitura.

Mas não diz o que o ministro lia, ele que era um perfeito analfabeto.

A CENSURA determinava para os jornais que eram proibidas todas as notícias a dizer “Traineiras não foram para o mar.” 

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Américo Tomás visita a Barragem da Aguieira

O MINISTRO DO ULTRAMAR, Baltasar Rebelo de Sousa, ao despedir-se de um grupo de alunas do Instituto de Odivelas, que se preparava para visitar Angola, garantiu-lhe que naquelas terras se sentiriam “ainda mais portuguesas perante a lição de patriotismo que as populações de todas as etnias lhes vão proporcionar, pela comunhão humana que ali se respira e pelo entusiasmo galvanizante de todos, especialmente da sua generosa e promissora juventude”

NUMA REPORTAGEM  no Mercado de Alcântara o jornalista do Diário de Lisboa registava as queixas de uma florista de que cada vez se vendiam menos flores. “Só nos sábados é que as pessoas compram um raminho para alindar as casas. As rosas vermelhas estavam a 25 escudos e os cravos, de qualquer cor, a 20  escudos.

NESTE DIA, conta Dinis de Almeida no seu livro «Origens e Evolução do Movimento dos Capitães»:
«Acompanhado do capitão Almeida Pereira, dirigi-me ao C.I.C.A, 4 onde contactei o major Borges.
Posto ao corrente da situação, não aderiu, embora se comprometesse inclusive a colaborar passivamente em tudo o que não o comprometesse directamente.»

OLHAR AS CAPAS


Notas de Exílio do “Chico da C.U.F.”

Francisco Ferreira

Prefácio: José Augusto Seabra

Capa: Henrique Manuel

Edições Afrodite, Lisboa, Janeiro de 1976

Comecei a vida de trabalho muito cedo, como a maioria esmagadora maioria dos Portugueses. Fui operário da Companhia União Fabril (CUF), no Barreiro, onde trabalhei dez anos (1924/34).

Operários da secção de «Caldeiraria» iniciaram-me na compreensão dos deveres de solidariedade, da luta contra a injustiça e pela conquista de um futuro português de progresso e liberdade. Foram os meus mestres.

A minha primeira tarefa de militante foi organizar um grupo de Socorro Vermelho Internacional (SVI), de solidariedade aos presos antifascistas. Tornou-se um dos grupos mais activos do Barreiro. Chegou a ter 60 contribuintes.

Estávamos no ano de 1929.

Vivíamos sob o salazarismo que nos recusava os direitos mais elementares. O número de analfabetos entre o pessoal da CUF rondava os 70%.

Os partidos políticos republicanos tradicionais, dos diversos matizes, não manifestaram interesse no recrutamento de jovens para as suas fileiras. Tinham-se desinteressado da juventude.

DOMINA-ME UM TERROR INCOERENTE

Domina-me um terror incoerente
Do Nada, da final insensação
Por isso creio em Deus com Fé demente,
Por medo, por defesa, com paixão.

Se busco todavia uma razão
Que fortaleça a Fé de que sou crente,
Tortura-me o saber que tudo é vão,
Que tudo se aniquila finalmente,

Que tudo se transmuta e se transforma
E que perdura apenas noutra forma
Aquilo que no mundo é material.

Concebo que tudo isto tenha um fim.
Só não concebo o que será de mim,
Cumprido o meu degredo terreal.

Reinaldo Ferreira em Poemas

quinta-feira, 18 de abril de 2024

POSTAIS SEM SELO


Não julguem ninguém sem primeiro andar duas luas nos seus mocassins.

Ditado cheyenne

VIAGENS POR ABRIL


 

              Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                       João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.


18 de Abril de 1974


O dia 18 de Abril, segundo António Mega Ferreira num futuro número do Expresso (25-04-1981), amanheceu cinzento. Um céu pesado, envolvia Lisboa numa promessa de chuva. Ao fim da tarde, porém, o estado do tempo agravou-se: uma violenta trovoada desabou sobre a cidade e choveu torrencialmente.

Nessa tarde do dia 18, Marcelo Caetano não escondia o seu desalento: «Não sei se algum Governo terá tido tantas dificuldades para governar como o meu,

O governo de Marcelo  não vive momentos de unidade, as forças conservadoras minam tudo. O próprio presidente da república  era mais um escolho e um foco de oposição;

Uma frase de Marcelo retida por António Mega Ferreira:

«Os meus ministros vêm aqui crucificar-me! Sou tido por responsável de tudo o que se faz e do que não se faz neste país.»

UMA PORTARIA do Ministério das Comunicações determina que as provas teóricas de condução de automóveis deixem de ser feitas oralmente e passam a ser prestadas de testes escritos.

MARCELO CAETANO convida o reitor da Universidade Clássica de Lisboa, Veríssimo Serrão, para substituir com urgência, Veiga Simão na pasta da Educação.

OLHAR AS CAPAS


Radiografia Militar

Manuel Barão da Cunha

Capa: Moreira Rijo

Editorial O Século, Lisboa, Abril de 1975

Bolama, 17-9-1964

Caro Camarada

Tem esta o fim de vos desejar completo êxito no cumprimento da missão. Cumprir a missão é quase sempre mais do que cumprir o dever.

Antes de abraçá-lo transcrevo, por julgar adequado ao momento que estamos a viver, as seguintes palavras de P.. António Vieira:

«Se serviste a Pátria e ela vos pagou com gratidão, vós que fizeste o que decias, e ele o que costuma.»

Aceite uma abraço amigo do camarada»

Assina: major Vitor Carloto

PONHO PALAVRAS EM CIMA DA MESA

Ponho palavras em cima da mesa; e deixo
que se sirvam delas, que as partam em fatias, sílaba a
sílaba, para as levarem à boca - onde as palavras se
voltam a colar, para caírem sobre a mesa.

Assim, conversamos uns com os outros. Trocamos
palavras; e roubamos outras palavras, quando não
as temos; e damos palavras, quando sabemos que estão
a mais. Em todas as conversas sobram as palavras.

Mas há as palavras que ficam sobre a mesa, quando
nos vamos embora. Ficam frias, com a noite; se uma janela
se abre, o vento sopra-as para o chão. No dia seguinte,
a mulher a dias há-de varrê-las para o lixo.

Por isso, quando me vou embora, verifico se ficaram
palavras sobre a mesa; e meto-as no bolso, sem ninguém
dar por isso. Depois, guardo-as na gaveta do poema. Algum
dia, estas palavras hão-de servir para alguma coisa.

Nuno Júdice

quarta-feira, 17 de abril de 2024

VIAGENS POR ABRIL


 

                 Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                          João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.



17 de Abril de 1974

 
A POUCO E POUCO, caminhamos para os dias últimos de Marcelo Caetano & Cª.

JORNAIS continuam a publicar comunicados das Forças Armadas dando conta das mortes de militares em teatro de guerra, a maior parte motivadas por “acidentes de viação”.

OS SERVIÇOS DE CENSURA do Reino estão numa actividade febril.

NO TRIBUNAL PLENÁRIO de Lisboa continua o julgamento de “cidadãos acusados de pertencerem à Acção Revolucionária Armada (ARA)” A censura “aconselhava” que as notícias do julgamento deveriam ser reduzidas “à expressão mais simples”.
O editorial do “Diário de Notícias” deste dia tinha por título “A Orelha de Mão” onde eram explicados os motivos por que a Rússia e a China travam em África uma guerra surda pela conquista de zonas de influência.

 
MARCELO CAETANO agradece à Universidade de Luanda o título honoris causa.

A censura proibia qualquer referência à homenagem ao professor Óscar Lopes.

Proibida também a notícia da confraternização de antigos alunos do Colégio Militar.

O Coronel Roma Torres, censor-mor deste dia, lembrava aos senhores jornalistas que têm de MANDAR SEMPRE CÁ, os assuntos que os senhores jornalistas, às vezes, se esquecem de mandar…


                                       Circular nº 45/74 dos Serviços de Censura:


“Para os devidos efeitos, elucido V. Exª de que todas as notícias de sessões públicas de qualquer índole deve, sem excepção, ser submetidas a exame prévio.
A BEM DA NAÇÃO
Alberto Alexandre Pestana de Ornelas.”

AINDA UM VOLTAT ATRÁS...

«Declaro por minha honra que estou integrado na Ordem Social estabelecida de Constituição Política de 1933 com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas.

Torres Vedras, 23 de Novembro de 1966»


Pasar de olhos pelos Dias Comuns, Vol I , de José Gomes Ferreira:

«8 de Outubro de 1965
Momento sinistro de pensamento mutilado…
Como é possível viver numa pátria assim! – de livros proibidos, de jornais proibidos, de peças proibidas, de homens proibidos – em que só o silêncio é justo?»

NOTÍCIAS DO CIRCO


 O título pertence ao Público do dia 21 de Março.

Mediante a afirmação Montenegrina, no dia 2 de Abril, o Presidente da República deu posse ao XXIV Governo Constitucional.

Desde então temos assistido a uma série de situações que permitem concluir que o governo tem realmente maioria para exercer a governação, mas falta-lhe humildade, bom senso, competência, algo mais.

Tem-se revelado um governo amante de truques e magias com uma sucessão de casos que permitem ter a ideia que o governo está a fazer tudo para proporcionar a sua queda.

Isso mesmo conclui Pedro Tadeu, hoje, no Diário de Notícias.

OLHAR AS CAPAS


Trinta Facadas de Raiva

Capitão Calvinho

Prefácio: Diniz de Almeida

Capa: Luiz Suarez

Edição da Associação dos Deficientes das Forças Armadas,

Lisboa, Abril de 1976

 

Agressão Cultural

 

Mataca é nome de régulo.

Régulo é nome tradicional de chefe

Chefe deriva neste poema:

de Gungunhana.

 

Guerra é nome de crime.

Crime é nome de agressão.

Agressão deriva deste poema:

do gesto dum capitão

que hoje é «gente grande»

 

- Põe teu filho nos ombros!

Ordenam lábios finos,

secos, quase cerrados.

 

- Não!

Responde um régulo ferido

no seu orgulho e razão.

 

- Pega no teu filho!

Insiste um rosto

feito de triângulos.

 

- Não!... não pega – replica um régulo

já sem convicção.

E explica:

Minino não é carga de régulo!

 

E o seco rosto

do seco oficial:

ensaia um tique de nervos

para lá das lentes escuras

que lhe escondem os olhos.

 

E o régulo curvou-se…

fixou os olhos num filho

     (de olhos escancarados)

 

e perante a força do novo Mouzinho:

- «sentou-se no chão»!...

 

       (Meses depois, apesar de «muito bem tratado»,

        fugia para junto daqueles que nunca traiu)

LARGADA

 «33…35…Rumo ao Norte»!


Só isto! Nada mais!

 

E isto quer dizer

a saudade do cais

que se perdeu de vista;

o Mar que se conhece braça a braça

por outro mar sem fundo;

as praias onde andara em pequenino

pelas do Cabo do Mundo,

geladas e tristes;

a mulher possuída realmente

pela mesma mulher

que se quer

e se não tem,

e a voz dum filho nu – continuamente –

debruçado do cais

a pedir pão!

 

- «33… 35… Rumo ao Norte».


Só isto! Nada mais!

Julho de 1940


Álvaro Feijó em Os Poemas de Álvaro Feijó

terça-feira, 16 de abril de 2024

COMEÇOS DE LIVROS


Começo de O Fogo e as Cinzas de Manuel da Fonseca:

«Antigamente o largo era o centro do mundo. Hoje é apenas um cruzamento de estradas, com casas em volta e uma rua que sobe para a Vila. O vento dá nas faias e a ramaria farfalha num suave gemido; o pó redemoínha e cai sobre o chão deserto. Ninguém. A vida mudou-se para o outro lado da Vila».

Terá sido o primeiro livro que li de Manuel da Fonseca.

Todas as leituras que, na adolescência, fiz dos livros da Biblioteca da Casa, foram, na sua quase totalidade, pescaria à mão, à linha, feitas, sem qualquer indicação, sem qualquer orientação. Claro que houve livros que abandonei por não entender nada, por não encontrar um mínimo de chamamento. Deveria ter feito um registo dos livros que abandonei. Tentei um dia fazer esse apanhado, mas perdi-me por completo.

Claro que lendo Eça de Queiroz aos 14 anos, teria que a ele voltar. Sempre

Mas este começo do livro não pode enganar ninguém, um começo que, quando o releio, ainda, fortemente me comove.

«Ninguém. A vida mudou-se para o outro lado da Vila».


VIAGENS POR ABRIL


 

                     Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                              João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.


16 de Abril de 1974

 
O MINISTÉRIO DO ULTRAMAR, em nota enviada para os jornais, dava a conhecer que, contrariamente ao que diziam os inimigos da Pátria, os missionários combonianos não foram expulsos de Moçambique mas convidados a sair “para salvaguarda da sua segurança”. O mesmo no que diz respeito ao Bispo de Nampula.
Missionários e Bispo eram acusados de serem responsáveis por um “documento altamente ofensivo da nação portuguesa e também da hierarquia da Igreja, pondo em causa s relações entre Portugal e a Santa Sé.”

No topo do texto desta Viagem de Abril encontra-se, através do Notícias de Portugal, a versão do governo de Marcelo, que, como habitualamente, é uma completa mentira.

UMA NOTA da PIDE/DGS informa que “Com base nas averiguações feitas foram detidos 15 indivíduos em Lisboa e Porto”, implicados em “acções revolucionárias no 1º de Maio. Mais se informava que uma brigada apreendeu “largos milhares de exemplares de panfletos revolucionários” nas oficinas do semanário oposicionista «Notícias da Amadora».

TÃO SURREALISTA, como hilariante, o despacho da Comissão de Censura enviada para o «Jornal de Notícias e transcrita no livro de César Príncipe «Os Segredos da Censura».

Aqui se dá conta que o censor de serviço também lamentava os aumentos das tarifas de correios e telefones mas, infelizmente, não se pode dizer…

«Sobre aumentos dos correios e telefones – não se pode falar em «público reage». A propósito da reportagem o senhor coronel Saraiva não viu inconveniente nenhum, pois ele até ficara “desgostoso, termo que satisfaz nestas coisas de novos preços. O público reage é que não, pois dá a ideia de “barulho. de contestação agressiva.”