sexta-feira, 30 de outubro de 2015

OLHAR AS CAPAS


O Medo
Trabalho Poético 1974-1997

Al Berto
Assírio & Alvim, Lisboa, Maio de 2005

     esqueço-me  de  tudo,  por  isso escrevo. longe  do terror  ao
sismo inesperado das estrelas, escrevo com a certeza  de que tudo 
o que escrevo se apagará do papel no momento da minha morte.
        o olhar fugiu pelos interstícios  dos objectos,  sinto-me como
se tivesse cegado por excesso de olhar o mundo. as palavras para 
nomear o que é belo  definharam, raramente as escrevo, penso-as 
só. aqui sentado, imobilizado sob a luz amarelenta do candeeiro, 
continuo a desejar aquilo que nunca verei: a cintilação dum corpo
na cal, o sorriso dum rosto ardendo de suicídio em suicídio.
        ignoro o mundo e a noite que o envolve e devora. deixo 
escoar o cansaço do corpo pela janela do quarto. fecho os olhos, 

finjo o sono, e vou pelos lugares desabitados do meu corpo.

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