Não me perguntem quais são os livros de José Saramago de que mais gosto.
Também não lhes
direi que são todos.
Falemos hoje de Ensaio
Sobre a Cegueira, o tal livro que, tirada do Livro dos Conselhos, tem a
epígrafe: «Se podes olhar vê. Se podes ver, repara.»
É um livro
impressionante, ou uma descida aos infernos, de leitura muito incómoda, mas que
nos mantém presos até à última página, no dizer de Baptista-Bastos.
José Saramago termina
a escrita de Ensaio Sobre a Cegueira a 9 de Agosto de 1995.
Escreveu nos Cadernos
de Lanzarote:
«… pensá-lo, fazê-lo, sofrê-lo, já foi, como tinha de
ser, obra de transpiração.»
«Vou criar um mundo de cegos porque nós vivemos
efectivamente num mundo de cegos. Nós estamos todos cegos. Cegos da razão. A razão
não se comporta racionalmente, o que é uma forma de cegueira.»
José Manuel
Mendes dirá:
«O ensaio é um livro definitivo, feito com o génio em
pleno.»
Saramago dirá
mais tarde:
«Provavelmente
não sou um romancista; sou um ensaísta que precisa de escrever romances porque
não sabe escrever ensaios.»
O lançamento do
livro ocorreu, no Hotel Altis, em Lisboa, a 1 de Novembro de 1995.
Em arrumações
caseiras, papéis a mais, jornais e revistas a que há que dar um qualquer
destino, tropecei na reportagem que a revista
Ler, do Círculo de Leitores, publicou quando o livro de Saramago foi lançado:
«A sessão de lançamento do novo livro de José
Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira, no Hotel Altis, foi muito concorrida,
ultrapassando mesmo as expectativas do autor e editor. Presentes muitas figuras
da vida literária e política, evidentemente – mas António Guterres dominou as
atenções. Do público presente, de Zeferino Corelho e do próprio Saramago. No
seu discurso, o editor da Caminho manifestou-se agradado com a presença de
Guterres e explicou: «Há muitos anos que não víamos um primeiro-ministro no
lançamento de um livro.» De seguida rematou: «Este gesto de Guterres bem pode
querer significar que há uma viragem na política governamental em relação ao
livro». O primeiro-ministro sorriu.
No final dessa mesma sessão, António Guterres,
acompanhado pela mulher, comentava a presença do público. E que ia ler o livro.
Alguém lhe diz: «Mas agora não vai ter muito tempo para ler o livro.» «Ora
essa, responde, não tenho é tempo para viver sem ler.» A frase, preparada ou
não, caiu muito bem».
Revista Ler nº
32, Outono 1995.
Legenda: fotograma do filme Ensaio Sobre a Cegueira de Fernando Meirelles.
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