segunda-feira, 3 de março de 2025

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


Não me perguntem quais são os livros de José Saramago de que mais gosto.

Também não lhes direi que são todos.

Falemos hoje de Ensaio Sobre a Cegueira, o tal livro que, tirada do Livro dos Conselhos, tem a epígrafe: «Se podes olhar vê. Se podes ver, repara.»

É um livro impressionante, ou uma descida aos infernos, de leitura muito incómoda, mas que nos mantém presos até à última página, no dizer de Baptista-Bastos.

José Saramago termina a escrita de Ensaio Sobre a Cegueira a 9 de Agosto de 1995. 

Escreveu nos Cadernos de Lanzarote: 

«… pensá-lo, fazê-lo, sofrê-lo, já foi, como tinha de ser, obra de transpiração.»

«Vou criar um mundo de cegos porque nós vivemos efectivamente num mundo de cegos. Nós estamos todos cegos. Cegos da razão. A razão não se comporta racionalmente, o que é uma forma de cegueira.»

José Manuel Mendes dirá:

«O ensaio é um livro definitivo, feito com o génio em pleno.»

Saramago dirá mais tarde:

 «Provavelmente não sou um romancista; sou um ensaísta que precisa de escrever romances porque não sabe escrever ensaios.»

O lançamento do livro ocorreu, no Hotel Altis, em Lisboa, a 1 de Novembro de 1995.

Em arrumações caseiras, papéis a mais, jornais e revistas a que há que dar um qualquer destino,  tropecei na reportagem que a revista Ler, do Círculo de Leitores, publicou  quando o livro de Saramago foi lançado:

«A sessão de lançamento do novo livro de José Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira, no Hotel Altis, foi muito concorrida, ultrapassando mesmo as expectativas do autor e editor. Presentes muitas figuras da vida literária e política, evidentemente – mas António Guterres dominou as atenções. Do público presente, de Zeferino Corelho e do próprio Saramago. No seu discurso, o editor da Caminho manifestou-se agradado com a presença de Guterres e explicou: «Há muitos anos que não víamos um primeiro-ministro no lançamento de um livro.» De seguida rematou: «Este gesto de Guterres bem pode querer significar que há uma viragem na política governamental em relação ao livro». O primeiro-ministro sorriu.

No final dessa mesma sessão, António Guterres, acompanhado pela mulher, comentava a presença do público. E que ia ler o livro. Alguém lhe diz: «Mas agora não vai ter muito tempo para ler o livro.» «Ora essa, responde, não tenho é tempo para viver sem ler.» A frase, preparada ou não, caiu muito bem».

Revista Ler nº 32, Outono 1995.

Legenda: fotograma do filme Ensaio Sobre a Cegueira de Fernando Meirelles.

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