segunda-feira, 3 de março de 2025

GRÂNDOLA, VILA MORENA



Na  Biblioteca da Casa encontram-se todos os Lps que o José Afonso gravou.

Em idas à Feira da Ladra, a alfarrabistas, fui adquirindo alguns singles e EPs. Diga-se que, ainda José Afonso não publicara o seu 1º LP, já adquirira os Eps das Baladas de Coimbra com Os Vampiros e Menino do Bairro Negro e o single com Menina dos Olhos Tristes, com poema de Reinaldo Ferreira  e Canta Camarada do cancioneiro popular.

Este Ep, com escritos na capa do seu anterior proprietário, encontrei-o na Drogaria do Sr. Carvalho que, enquanto por cá andou, tinha uma estantezinha à porta da Drogaria com diversos objectos, entre os quais discos e livros, que os clientes iam deixando, porque o Sr. Carvalho, profundamente cristão, com os ganhos das vendas, acrescentava algum dinheiro seu, e ajudava gente necessitada.

 

ORFEU - ATEP 6456 – 1971

Face A
Grândola, Vila Morena (José Afonso)

Moda do Entrudo (Beira Baixa)

Face B

 Traz Outro Amigo Também (José Afonso)

Carta A Miguel Djéje (José Afonso)

 

Foto da capa de Patrick Ulmann

 

Sabe-se que Grândola Vila Morena foi escolhida por Almada Contreiras, como uma das senhas do arranque do 25 de Abril.

Sobre a gravação, em Paris, do disco Cantigas do Maio, O Público de 19 de Novembro de 2019, insere um texto em que o José Mário Branco conta como cesgalhou aquele extraordinário começo de Grândola com passos na abertura da canção.

«Quando, em 1971, José Afonso chegou a Paris para gravarmos o que viria a ser o seu álbum “Cantigas do Maio”, uma das canções que ele propunha para esse álbum chamava-se “Grândola, vila morena”. Era uma canção simples com três quadras — aparentemente simples como tantas canções desse cantautor genial — que, no dizer dele, só fora cantada uma vez na colectividade a quem a dedicava, a Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense. Então eu que, embora nascido e crescido no Porto, fora desde muito jovem marcado por várias estadias na aldeia de Peroguarda (Baixo Alentejo), propus ao Zeca que déssemos a essa canção a estrutura tradicional do cante alentejano: a sequência do ponto (solista inicial), do alto (introdutor de uma segunda voz mais aguda) e do coro masculino grave. Além disso convinha alterar a estrutura da letra acrescentando a inversão das quadras tão típica desta forma coral. Assim foi. Foi decidido apresentá-la com essa forma, sem acrescentar quaisquer instrumentos para além das vozes. Porém, influenciado por uma das imagens mais fortes que eu guardo de Peroguarda — a imagem dos homens abraçados, regressando da monda ao fim da tarde, cantando no regresso a casa —, também propus que se ouvissem os passos deles, no macadame da estrada, ao ritmo da canção. Passos lentos, porque a monda cansa. E então ensinei ao Zeca, ao Fanhais e ao guitarrista Bóris (Carlos Correia) como é que os camponeses faziam esses passos: alternadamente, num claro compasso quaternário, um pé arrasta-se e, no tempo seguinte, pousa no chão — o movimento seguinte do outro pé completa o quaternário. Aceite a proposta, pedi ao técnico que, numa dessas noites — bem tarde, para evitar ruídos parasitas na estrada e nos campos vizinhos — colocasse 4 microfones em redondo no saibro do jardim do estúdio, que era no sótão de um palacete acastelado de uma pequena aldeia 60 km ao norte de Paris. Foi preciso encontrar 4 longos cabos para ligar os microfones ao estúdio, e outros 4 cabos, de igual comprimento, para nós termos, ao gravar, uma referência rítmica nos auscultadores. Gravado um metrónomo com o andamento numa das pistas, às 3 da manhã de uma dessas noites gravámos os passos no saibro. Nos dias seguintes foram gravadas as vozes — o Zeca

 cantando o ponto e o alto, e o Fanhais, o Bóris e eu cantando o coro. A canção foi assim incluída no álbum “Cantigas do Maio”, e fez o seu caminho na comunidade, de ouvido em ouvido, como todas as canções editadas em disco que são como filhos que crescem e vão à sua vida. Até que, menos de três anos depois, soou a hora da libertação. E o som que soou nessa hora foi a “Grândola, vila morena”. Um dia, mais tarde, perguntei ao Otelo Saraiva de Carvalho: “Porque é que vocês escolheram essa canção para dar o sinal do 25 de Abril?” E ele respondeu: “Porque é uma canção de forma tradicional que levantava menos suspeitas, porque é do José Afonso e, sobretudo, por causa daquele som dos passos em ar de marcha militar…” Ou seja, na mistura da canção nós tínhamos cometido algum erro pois o que para nós eram passos lentos e arrastados soou às pessoas com o dobro do andamento, como se o momento de arrastar o pé fosse mais um passo! Ou seja, o som do arrastar do pé não se distingue do som do pousar do pé. De como um erro tecnológico determinou o futuro histórico de uma canção.»

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