quarta-feira, 26 de junho de 2024

BLOGUEANDO POR AÍ


Pergunta do exame de Filosofia. Quando o nível é este, mais vale não haver nível. Pobres professores, pobres alunos, pobre mundo que nos deste Aristóteles e Camões para isto.

Copiado da Antologia do Esquecimento

GRANDES POETAS

Agora talvez entendas porque não escrevo
entretida com a arquitectura volátil dos dias
com os afazeres esponsais e profissionais
a apanhar eléctricos em curto-circuitos
às voltas com este tumulto manso que abafo
porque, sejamos sinceros, só grandes tumultos
dão grandes poetas, de resto há a frieza
dos que se mentem a si próprios
e vão chamando a si os pássaros
quando o que deveriam era libertar os seus
numa torrente que não acompanham ortografias
nem radiografias sentimentais.

Desculpa se me tornei naquilo que queria ser
quando escrevia: amante e amada
de tal forma que se tocar em flores elas se multiplicam
se beber água nasce um caudal por entre milhares de minérios
se falar de estrelas um segundo demora anos-luz a passar.
À antiga pergunta se antes a vida que a escrita
melhor a primeira quando pior é a segunda
porque, mais uma vez a sinceridade,
só grandes vidas dão grandes escritas,
grandezas díspares, com certeza, mas grandezas, sem dúvida.

Assim chego eu a casa e faço o jantar
e lavo a loiça – quando não a acumulo em pilhas –
e leio livros – quando não me lembro da televisão –
e sou feliz quando enlaço as mãos na maresia
e vou ao cinema com amigos
e passeio de braço dado com a mamã.

Se isto dá uma grande poeta?
tenho-me perguntado, todos os dias,
e à noite uma cavalgada inquieta
dirige-se à região desamparada do cérebro
à côncava existência do corpo ainda insatisfeito
a essa solidão sublime que me levou em certos dias
aos Himalaias e noutros ao farol de Brest.
Nesses segundos que se dirigem a mim
Von Hofmannsthal volta ao esperma para não nascer
e tudo é possível desde amar mulheres até matar
e sobreviver ao crime limpidamente.

Nesses segundos os meus poemas poderiam ser grandes
e ser eu uma grande poeta
apascentando-me de folhinhas de louro
e para mim ter metros infindos de mundo por explorar.


Ana Salomé


terça-feira, 25 de junho de 2024

POSTAIS SEM SELO


Acabaram com a agricultura, com o tintol a martelo, com as morcelas caseiras, com o tabaco nos restaurantes, com o escudo, com a frota pesqueira, com o Aquilino nas escolas, com a tropa obrigatória. Agora espantam-se porque o povo só se sente patriota com a selecção? Pensassem nisso antes.

Filipe Vicente

OLHAR AS CAPAS


 José Rodrigues Miguéis: Uma vida em papéis repartida

Actas do colóquio realizado no Padrão dos Descobrimentos em 8, 9 e 10 De outubro de 2001

Coordenação: Onésimo Teotónio Almeida

e Manuela Rêgo

Intervenções: João Medina, António Reis, Guilherme d’Oliveira Martins, Ernesto Rodrigues, Paula Morão, Eugénio Lisboa, Maria de Sousa, Raúl Hestnes Ferreira, Luísa Ducla Soares, Teresa Martins Marques, Eduardo Lourenço, entre outros.

Capa: Ernesto Matos

Edição: Câmara Municipal de Lisboa, 2001

A edição das obras completas de Miguéis (13 volumes) pelo Círculo de Leitores teve 5000 compradores, pese embora o facto de em não poucos casos se tratar de encadernações que estão simplesmente a adornar estantes em novas-ricas casas.

DOS REBOTALHOS E COISAS ASSIM...

A última crónica de Ana Cristina Leonardo no Público de 21 de Junho de 2024, contrariamente ao que é habitual, teve diversos reparos. A crónica tinha o título «À espera de um milagre da Senhora dos Aflitos», referia levemente a guerra em Gaza mas, porque andamos em tempo de pontapé na bola, copio um desses comentários mas que não têm a ver com o genocídio perpetrado por Netanyahu:

«Os conflitos são muitos, mas nada nos faz mudar as preferências que fazem arrostar os carolas do seu desporto preferido: o futebol. Venha o que vier (nem o aviso de que o pai se está enforcando desmotiva aquele “ataque final” de um qualquer que está marcando um penalti) os desvia da imagem da TV naquele minuto crucial. Somos um país antigo nascido de uma árvore de folha perene de fundas tradições que não desvia os seus cidadãos de uma soneca à sombra dos nossos ilustres cidadãos. Não é do vácuo que faço estas citações. É por não gostar delas que cito Almada Negreiro: Se isto é ser Portugal, antes, queria ser espanhol.»

1.

A 17 de Junho foi formalizada a candidatura de Arrábida ao reconhecimento de património mundial. Alguém disse:

«Só assim garantimos que o queijo de Azeitão ou a maçã camoesa continuam no território».

Felizes, onde estiverem, encontraremos o poeta Sebastião da Gama que amava a sua serra-mãe e o crítico e escritor João Bénard da Costa, que todos os anos, por Setembro, arrabidava e, como ninguém conhecia a Mata do Solitário.

«O murmúrio é a alma de um Poeta que se finou

e anda agora à procura, pela Serra,

da verdade dos sonhos que na Terra

nunca alcançou.»

2.

O número de mortos durante a peregrinação muçulmana a Meca, que decorreu sob forte calor, ultrapassou os mil, segundo uma contagem efetuada pela agência noticiosa France-Presse.

3.

Em 2023 o número médio mensal de imigrantes registados na Segurança Social e a trabalhar por conta de outrem superou os 495 mil, um acréscimo de 35,5% face ao ano anterior;  em 10 anos, de 2014 a 2023,o número de trabalhadores estrangeiros cresceu nove vezes  e são já mais de 20% as empresas que recorrem a imigrantes;  os três sectores mais dependentes de imigrantes são a agricultura, o turismo e a construção; os imigrantes em Portugal são sobretudo jovens com a média de 33 anos, 63% são homens, 37% são mulheres e estão sobretudo concentrados nas áreas metropolitanas de  Lisboa e  Porto, Algarve e Litoral Alentejano; recebem salários 15% mais baixos que os dos portugueses.

4.

As pensões médias encolheram 15% nos últimos 15 anos; em Fevereiro foram registados mais 7,2 mil desempregados no país; mais de 65% dos jovens portugueses abaixo dos 30 anos recebem menos de mil euros líquidos mensais. 

5.

«A mistificação parte do princípio de que em 2024 há unanimidade à volta do 25 de Abril, o que não é verdade. O modo como à direita, radical, se tem usado como contraponto ao 25 de Abril o 25 de Novembro é objectivamente contra o 25 de Abril, até porque o 25 de Novembro da direita é uma falsificação histórica. Não me parece que o objectivo de criar uma comissão oficial para celebrar o 25 de Novembro seja para homenagear o grande lutador pela democracia em 1975 no plano civil, Mário Soares, ou o partido mais relevante nessa luta, o PS, e os militares do Grupo dos Nove, como Vasco Lourenço ou Sousa e Castro ou Ramalho Eanes e o Presidente Costa Gomes, tudo gente que a direita detesta. E limitar essas comemorações a Jaime Neves, que actuou sob ordens, é um reducionismo absurdo, assim como esquecer o papel decisivo de Melo Antunes, que somou à derrota da esquerda militar no dia 25 a vitória sobre a contra-revolução, recusando no dia 26 ilegalizar o PCP.»

José Pacheco Pereira no Público

6.

Em Novembro será interessante  ver como será a dimensão da manifestação “popular” que as direitas arranjaram para comemorarem o 25 de Novembro.

Virão, desde o Portugal profundo as «massas populares».

Chegarão, à capital, em camionetas?

Serão eles que pintarão os cartazes? As palavras de ordem?

DOS ANOS SETENTA

Voltar aos anos setenta
como se fosse possível
essa melodia lenta
transpor às cegas o nível
da realidade obtusa
do dia morno que passa
e escutar a semifusa
dessa década tão baça
que em ti se prolonga hoje
à medida de ninguém
febre que agora te foge
primavera que não vem
Ano de setenta e dois
o teu irmão a morrer
breve despiste e depois
cada dia outro dever
outra missão a cumprir
em secretos rituais
a vida inteira em devir
menos por menos dá mais
Ano de setenta e quatro
com revolução em abril
e todo um novo teatro
no teu drama juvenil
em anos adolescentes
soturnos introvertidos
Já não sabes o que sentes
fantasma de tempos idos
sombra a passar num só flash
filme que já não existe
por onde quer que hoje vás
tens razões para ser triste
Anos setenta talvez
à espera do infinito
silhuetas que mal vês
agitadas em conflito
Tudo era esquerda ou direita
em conspirações de bares
e na noite mais suspeita
movimentos militares
Copos fumos atmosferas
o Botequim o Procópio
e tu sem saber quem eras
coração-caleidoscópio
Socialistas comunistas
PPD e CDS
deputados nomes listas
e mais partidos que houvesse
Cunhal Soares Sá Carneiro
inesperada companhia
era teu aquele cheiro
de um país que ali nascia
Primeiros dias do mundo
a acontecerem em ti
e essa memória sem fundo
a iludir-te hoje aqui
Ano de setenta e sete
dizer adeus a teu pai
tudo o que a vida promete
mas de súbito se esvai
Fotografias cinzentas
golas altas bandas largas
entre as imagens que inventas
certas dívidas não pagas
Helmut Schmidt Giscard d’Éstaing
ou Kissinger e Brejnev
a preto e branco em écran
de harmonia semibreve
na exausta guerra fria
em que tudo se explicava
e o planeta se movia
numa corrente de lava
Anos setenta obscenos
primeiras pornografias
menos por mais dava menos
cassetes que descobrias
e alimentavam isso
a que chamavas o sexo
coisa mágica feitiço
espelho côncavo ou convexo
Anos setenta no fim
de uma infância que te amava
memória em forma de assim
cadência que nada trava
Cinquenta anos depois
tudo é tempo tudo é nada
sonho só do que não foi
longe dessa madrugada
como se o mar engolisse
os recados do destino
e fosse agora tolice
repassar a pente fino
os vãos sinais desses anos
entretidos à procura
dos sintomas mais insanos
humanos ou trans-humanos
ou a última loucura
que é ficares assim absorto
nessa miragem impura
a olhar para o vazio
talvez vivo talvez morto
com uma cidade a teus pés
Ainda saberás quem és?
E esse rio que vês no Porto
ainda é o mesmo rio


Fernando Pinto do Amaral

Nota do Editor:  Este poema de Fernando Pinto do Amaral foi tirado do Público de 17 de Abril de 2004.

Poesia Pública é uma iniciativa do Museu e Bibliotecas do Porto comissariada por Jorge Sobrado e José A. Bragança de Miranda. Ao longo de 50 dias publicaremos 50 poemas de 50 autores sobre revolução. 

segunda-feira, 24 de junho de 2024

TOUS LES GARÇONS, NÃO É BOB DYLAN?

“Não há amores felizes”, canta com uma estóica e tão bela resignação Françoise Hardy. Mas será que pode haver “desamores felizes”? Os amores de Françoise, cinco contadinhos pelos dedos de uma mão, jura ela, foram todos infelizes, estradas acidentadas a desaguar na solidão. Foi na nostalgia de um desamor que Françoise Hardy se consolou, até há poucos dias, até ao dia da sua morte.

Bob Dylan foi esse “desamor feliz”. Lembro que ninguém conhecia Françoise. Vivia, em Paris, não longe do Pigalle, na rua du Aumale, a mesma onde, por menos de um ano, no século XIX, vivera Richard Wagner. Deve ter ficado por ali um acorde da “Cavalgada das Valquírias” à espera, um século depois, de entrar pelo ouvido da pequena Françoise. Ela dormia no quarto com a irmã esquizofrénica, na sala do mirrado apartamento, a mãe, solteira, contabilista pobre e tão infeliz, que tirava prazer de fazer infeliz a filha, capaz de lhe dizer que tinha umas pernas tão magras que lhe ficariam em Guimarães com elas para facas, soubesse Françoise onde era Guimarães.

Interessa é que era Hardy uma menina e começou a cantar. Em 1962, na noite em que a televisão francesa se esgadanhava para analisar os resultados do referendo sobre a eleição por sufrágio universal do presidente da república, sei lá se foi De Gaulle que pediu, aparece num intervalo a menina Françoise e da boca dela ouviu-se uma coisinha moderníssima, a canção que ela escreveu e chamou “Tous les garçons et les filles”. Os ouvidos de França desabrocharam. Escusado será dizer que no dia seguinte, todos os “garçons” e todas as “filles” entoavam, dançavam e se derretiam em tristeza com a encantada jeremiada daquela canção. E derreteu-se a Alemanha, a Inglaterra, a Espanha, e eu em Angola, “la main dans la main”, também.

Do outro lado do Atlântico, soprada pelo vento, chegou às mãos do ainda principiante Bob Dylan, a fotografia de Hardy. Olhou para aqueles ossos a quererem furar as maçãs do rosto, para os seios pequenos, para a cintilante mini-saia e apaixonou-se. E eu, colonialíssimo, em Angola também.

Como eu, Dylan só vira uma fotografia. Como eu, escreveu cartas a essa fotografia, chorou e suspirou nesse tempo em que os tempos tanto mudavam.  Mas eu não canto nem tenho talentos. Bob Dylan, sim. Já Françoise filmava com Hollywood e veio Dylan cantar a Paris, onde também Amália cantou, sala mítica, ao Olympia.

Françoise veio vê-lo. E Dylan, a acústica uma boa merda, falhou. Ao intervalo, recusou voltar ao palco, a não ser que a desconhecida Françoise viesse ao camarim consolar o seu derrotado ego. Ela veio. E tiremos, com a ajuda de Einstein, esses 10 minutos íntimos da fita newtoniana do tempo. No final do espectáculo, Dylan levou Hardy, Johnny Hallyday e mais uma mão cheia de franceses para a soberba delícia que era então o hotel Georges V. De olhos fixados em Hardy, deixou-os a todos menos ela, e na sua suite de americano cantou “Just Like a Woman” e “I Want You” à raptada miúda da rua du Aumale, ali perto do Pigalle.

Se isto não é uma declaração de amor, o que é uma declaração de amor? E eis a minha inquietação:  um tipo do Chega, um tipo do Bloco de Esquerda poderão ainda compreender a gentileza, a doçura, a angústia amorosa que está por trás de tudo isto?

Nada aconteceu, confessa com ternura Françoise, a não ser terem ficado a olhar-se num puríssimo sol, lá, si. Nunca mais se viram, mas Dylan escreveu esta dedicatória num LP: “A Françoise na margem do Sena, sombra gigante de Notre Dame.”

Sim, já houve amor. E que, lá do céu, Françoise continue a ser o “soleil” que tanta falta nos faz.

Manuel S. Fonseca na sua Página Negra

OLHAR AS CAPAS

A Mulher Na Sociedade Portuguesa

Ciclo de Colóquios na Faculdade de Direito de Lisboa

Textos de:

Isabel da Nóbrega, José Esteves, Natália Nunes. Sérgio Ribeiro, Sophia de Mello Breyner Andresen, Urbano Tavares Rodrigues e outros

Capa: Miguel Flávio

Colecção Caderno de Hoje nº 8

Prelo Editora, Lisboa, Maio de 1969

Pois não existe o problema da mulher, mas sim o problema da humanidade. E é por isso que o Feminismo é um caminho errado e já ultrapassado. Aliás sempre à roda da mulher se criaram falsos problemas.

(Da intervenção de Sophia Mello Breyner Andresen).

MAS HÁ A NOITE

Mas há a noite. O estar sozinho

e no entanto acompanhado -- servo de um deus estranho

cumprindo o ritual jamais completo.

 

Mas há o sono. A lúcida surpresa

de um mundo imaterial e necessário,

com praias onde o corpo se desprende.

 

Mas há o medo. Há sobretudo o medo.

Fel, rancor, desconhecido apelo,

suor nocturno, rápido suicídio.


Daniel Filipe em A Invenção do Amor e Outros Poemas 

domingo, 23 de junho de 2024

POSTAIS SEM SELO


Lá sabe o camaleão, melhor do que ninguém, as necessidades de muda da cor da pele.

Lima de Carvalho

OS CHEIROS QUE ANDAM MISTURADOS NUMA NOITE DE JUNHO...


O Camus explica na peça que para evitar mal-entendidos é preciso não usar artifício. «Se o homem quiser que o reconheçam, diga simplesmente quem é.» – Isso era bom, era. Mas nunca ninguém nos reconhece. Mesmo quando dizemos quem somos. Sobretudo quando dizemos quem somos. Tu próprio, Henrique… desconfiaste, descreste de um amor que se te oferecia em bloco…

Ferveu. Thermos. Copo. Frasco. Colher de chá. Tudo na bandejinha. Permanente, esta interrogação. Não me agarro a certezas. Estou sempre pronta a rever as minhas ideias. Mas não me integro em nenhum meio. Não lhes pertenço. Porquê? A sensação, por vezes, de me desintegrar… Oh, Henrique…»

 - pronto. A bandejinha. Afasta o candeeiro.

– Lá fora, apagaste a luz, amor?

– Apaguei.

– E fechaste o gás, meu amor?

– Sim, fechei.

- Mas há uma porta que range… Tinha de ser…

– Eu vou fechá-la, amor, eu vou já ver. – Era a porta da varanda. Abri-a de par em par. A fresca noite entrou. É noite. É Junho, amor, e estamos vivos. E não estamos sozinhos. Oh, esta alegria de não estarmos sós.

Isabel da Nóbrega em Viver Com os Outros

Legenda: Arraial da Academia de Santo Amaro, fotografia de Inês Leote copiada do Mensagem de Lisboa.

O OUTRO LADO DADO CAPAS


 A imagem de hoje não pertence à secção do «Outro Lado das Capa», poderia ser «O Outro Lado das Folhas».

Muitos livros da Biblioteca da Casa foram comprados em alfarrabistas.

Nas tardes de sábado, ia com o meu pai à Barateira no Chiado e ao Fausto na Rua Angelina Vidal e nunca saíamos de mãos a abanar.

Este livro de Alexandre Vieira foi oferecido pelo autor à redacção do jornal A Voz.

O matutino A Voz era um jornal católico, monárquico, conservador e ultra-salazarista. Designava-se como «O jornal de maior assinatura em Portugal»

O jornal «A Voz», juntamente com o «Diário da Manhã», deixou de se publicar nos inícios de 1971 e. ambos, deram lugar a um único título: «Época», que deixou de se publicar logo a seguir ao 25 de Abril e veio a ter duas tentativas de publicação, primeiro como «A Época», tendo como director José Manuel Pintasilgo, dias de pois como «A Época Livre»  dirigida por tipógrafo e um grupo de jornalistas do jornal, mas todas as condições eram precárias e os ventos tinham mesmo mudado.

Um dia hei-de aqui trazer os livros comprados em alfarrabistas, com dedicatórias dos seus autores a camaradas seus, bem como outras gentes.

O trabalho não está organizado nesse sentido, tão pouco é tarefa fácil, mas irei tentar.

sábado, 22 de junho de 2024

OLHAR AS CAPAS


No Domínio das Artes Gráficas

Alexandre Vieira

Edição do Autor, Lisboa, Setembro de 1967

No momento em que escrevo estas linhas agita-se a corporação profissional a que pertenço pela conquista de uma jorna mais alta, ao mesmo tempo que pretende restabelecer o regime de salário mínimo, que presentemente não é respeitado pelos industriais de tipografia, forcejando também por conseguir o pagamento dos dias feriados e dos domingos, à semelhança do que se verifica em relação aos colegas que trabalham nos estabelecimentos do Estado e nos jornais diários.

ESCREVER É ISSO


- Tenho cegueiras, Ntunzi. Sofro da doença de Silvestre.

Fui à gaveta da cozinha e retirei a pasta da escola que escancarei ante o olhar atónito de meu irmão.

- Veja estes papéis – disse, estendendo um maço de páginas caligrafadas.

Tudo aquilo eu redigira nos momentos de escurecimento. Atacado por cegueiras deixava de ver o mundo. Só via letras, tudo o resto eram sombras.

- Você, agora, é uma sombra.

- Já tenho nome de sombra.

- Entende a caligrafia?

-Claro, esta é a sua caligrafia. Bem desenhada, como sempre foi… Espere

Um pouco, está a dizer que escreveu tudo isto sem ver?

- Deixo de ser cego apenas quando escrevo.

 

Mia Couto em Jesusalém

 

Legenda: pormenor da capa da autoria de Rui Garrido para o livro Jesusalém

EM BUSCA DE FLORES AZUIS NO DESERTO


«Um painel independente de especialistas em direitos humanos, nomeado pelas Nações Unidas em 2021 para investigar denúncias de violência nos territórios palestinianos e em Israel, acusa o Exército israelita de ter cometido crimes contra a humanidade, incluindo o de extermínio, nos primeiros meses após o lançamento da ofensiva em curso na Faixa de Gaza.

Num relatório publicado nesta quarta-feira, o painel de três especialistas acusou também o Hamas de ter cometido crimes de violência sexual contra civis durante os ataques de 7 de Outubro de 2023 em território de Israel, principalmente no festival de música que estava a decorrer junto ao kibutz Re'im.

As investigações do painel centraram-se nos primeiros três meses do conflito, entre 7 de Outubro e o final de 2023, e detalharam vários crimes cometidos pelo Exército de Israel e pelo Hamas.

No entanto, as principais acusações são dirigidas ao lado israelita, acusado de usar a fome como uma arma de guerra e de punir colectivamente a população civil palestiniana, e de usar a violência sexual "como parte dos seus procedimentos operacionais".»

 

Recortado do Público de 12 de Junho de 2024

 

Legenda: imagem do Expresso.

NOTÍCIAS DO CIRCO

O que se passou ontem na Assembleia da República, numa Comissão Parlamentar de Inquérito durante a audição da mãe das duas crianças luso-brasileiras, foi uma vergonha, um «espectáculo» degradante e indecoroso para o qual faltam palavras que permitissem ir mais além na classificação.

Lembrar que o 25 de Abril aconteceu há 50 anos e é tempo de se encontrarem caminhos para impedir aquela coisa de extrema-direita, que nasceu e cresceu graças às atitudes de Augusto Santos Silva enquanto presidente da Assembleia da República e também do apoio que os órgãos de comunicação social, principalmente as televisões, lhe têm vindo a emprestar e que, em não mais pensa do que na destruição da Liberdade e da Democracia.

Também terá que se dizer aos deputados das direitas que uma comissão de inquérito não pode redundar em inquéritos pidescos.

Não vale tudo!

sexta-feira, 21 de junho de 2024

POSTAIS SEM SELO

Toda a história do mundo não é mais que um livro de imagens reflectindo o mais violento e mais cego dos desejos humanos: o desejo de esquecer.

Herman Hesse

OLHAR AS CAPAS


 A Pata do Pássaro Desenhou Uma Nova Paisagem

Manuel de Lima

Capa: Soares Rocha

Colecção Obras de Manuel de Lima nº 1

Editorial Estampa, Lisboa, Setembro de 1972

-Olhe, Sr. Alfa, já sabe. Eu não posso esperar pelo valor daqueles mamarrachos. É melhor pedir a esse Mecenas Nepomucenas o dinheiro para a renda da casa. Quando é que ele disse que vinha?

- Está por aí a rebentar!...

SABES, AS AVES

   sabes, as aves aquáticas já não pernoitam junto ao mar nem por entre os nossos dedos de areia

  sobem-nos vozes calcárias à garganta, estrangulo-me neste humilde canto, fico atento ao eterno silêncio do teu castelo

  às vezes escuto o teu cantar, raramente, é certo...mas quando cantas saem-te nomes puros da boca e sorrisos diáfanos de cristais
  os lábios incendeiam-se com vinho, teu corpo adquire o sabor misterioso das algas
  no crepúsculo expande-se o perfume a moreia frita, teu olhar é o mosto dos nossos desejos

  dançamos à roda dum mastro, saia em papel de seda bordada com búzios...uma quadra flutua pela noite de nossos cabelos
  rodopias, e os teus amores são relembrados pela noite adiante
  espalham-se estrelas cadentes, papoulas breves, junco molhado

  e o mar enche-se novamente de pássaros, embarcações semelhantes a beijos

que nos percorrem de alegria

Al Berto de Mar-de-Leva em O Medo

quinta-feira, 20 de junho de 2024

POSTAIS SEM SELO


De noite, quando o frio entra pela casa, e um resto de solidão gela o fundo da alma, aqueço-me com o fogo que me deixaste.

De manhã recolho as suas cinzas.

Nuno Júdice em O Fruto da Gramática

Legenda: imagem Shorpy

OLHAR AS CAPAS


Ensaio Sobre a Obra de Trindade Coelho

Rogério Fernandes

Portugália Editora, Lisboa, Outubro de 1991

Trindade Coelho considerava que a instrução popular era um dos factores mais importantes da reestruturação do «viver positivo dos homens». Para além do bem fundado da ideia da indispensabilidade de uma radicação nítida, no povo, da consciência dos seus direitos, não errava Trindade Coelho ao julgar a educação factor de não pequeno peso na recuperação do atraso em que se encontrava o País. De facto, a educação é um factor economicamente rendosos, e não pode pensar-se na transformação eficaz do viver económico de um povo sem vastas camadas humanas apetrechadas culturalmente para a realizarem.

O POETA NUM ELÉCTRICO


De súbito ao cair de mais um ano
sou por instantes sinto-me ao cair da tarde
do sol que antes brilhante é luz lustrosa
e pegajosa agora à superfície da calçada
na humilhante morte de quem era alto eterno e dominante
sou ao cair da tarde de um ano que cai
eu o poeta o instalado o mais que muito aburguesado
um colectivo passageiro num eléctrico
mas só supostamente anónimo ou popular ou colectivo
pois posso dar-me ao luxo de evocar um livro lido há muito
num destes animais metálicos já hoje arcaicos deslocados
e amanhã vivos apenas nesse livro do zé gomes que os evoca
e eu me posso dar ao luxo de evocar agora após haver falado
nesse farmácia onde comprei há pouco o anti-asmático
do cão asmático das praias que primeiro ouvi tossir
num verso do o’neill e só depois num mês de maio em espinho
ao imprimir na areia graves passos de poeta nupcial
sinto-me alguém de súbito ao pagar o meu bilhete
bilhete de quem volta e de quem vive do trabalho
mas que pode exibir o seu sapato alto à moda
e alinhar uns versos no papel da embalagem do remédio
E eu que distraído e que perdido e que privado já
de mais alguma face da embalagem do remédio onde escrevia
eu que já não sabia como pôr ponto final
em toda esta conversa mais do que fiada
dizer ao ver que continuo alheio lírico e sentado
oiço a voz grossa e neutra do sisudo guarda-freio
que chegámos ao fim fim da viagem para ele
e fim deste poema para mim

Ruy Belo de Nau dos Corvos em Todos os Poemas

quarta-feira, 19 de junho de 2024

OLHAR AS CAPAS


A Casa dos Motas          

Manuel Ferreira

Capa: José Araújo

Editorial Caminho, Lisboa, Maio de 1977

Tinha de resolver a questão dos trabalhadores despedidos por causa dos tais papéis. Que talvez se tivesse precipitado. Sempre fora a opinião da mulher. A culpa, em grande parte, foi do primo, esse tal que andava lá por Lisboa na grande roda política, e o mandou inscrever na União Nacional. Mas talvez o primo tivesse razão. Os tais papéis agora apreciam com frequência, por toda a parte. Falavam da fome, do desemprego, das greves, da necessidade de os operários se unirem e reivindicarem junto dos patrões. Mota pensaca: onde é que isto vai parar?

Dois dias depois alguma coisa mais aconteceria. Ali em Monte reala, na Marinha Grande, em Leiria e pelos arredores. Tinham levado muitos. E entre eles o Rosa, o Teixeira, o Manadas, o Caldo e até a Francisca Macha.

DE TARDE

Naquele «pic-nic» de burguesas,

Houve uma coisa simplesmente bela,

E, que sem ter história nem grandezas,

Em todo o caso dava uma aguarela.

 

Foi quando tu, descendo do burrico,

Foste colher, sem imposturas tolas,

A um granzoal azul de grão de bico

Um ramalhete rubro de papoulas.

 

Pouco depois, em cima duns penhascos,

Nós acampámos, inda o Sol se via;

E houve talhadas de melão, damascos,

E pão de ló molhado em malvasia.

 

Mas, todo púrpuro, a sair da renda

Dos teus dois seios como duas rolas,

Era o supremo encanto da merenda

O ramalhete rubro das papoulas!

 

Cesário Verde em O Livro de Cesário Verde

terça-feira, 18 de junho de 2024

OLHAR AS CAPAS


 Obra Escrita

Volume 4

João César Monteiro

Coordenação: Vitor Silva Tavares
Capa: Luís Henriques

Livraria Letra Livre, Lisboa, Outubro de 2021

João de Deus e Joana passeiam à beira da falésia.

João de Deus: E a tua mãe?

Joana: A minha mãe morreu vai para três meses. Somos de Belmonte. Não sei se conhece.

João De Deus: De passagem.

Joana: Não tínhamos mais ninguém. O meu pai vive em França, mas nunca quis saber de nós. Não há terra como a nossa. Quando cheguei à gare de Austerlitz não sabia uma palavra de francês. Queria ir direita ao serviço de accueil a refugiados  de Saint Joseph das nações, mas ninguém se ralava. Encolhiam os ombros e gronhavam, gronhavam…

João de Deus: Resmungam muito esses parisienses. Parecem baratas tontas.

Joana: Por fim, fui ter onzième arrondissamento. Comi uma sopa e um naco de pão e, ao fim de três dias lá dei com o paradeiro do meu pai.

João de Deus: O que é que o teu pai faz?

Joana: Trabalhava na Renault. Agora só bebe. Está no chômage. Vive com outra mulher de quem tem mais três filhos pequeninos, mas também é uma desgraçada. Só chora. Dormíamos todos a monte… Eu tinha que fazer de cega.

João de Deus: De ceguinha?

Joana: Sabe que quando estava a fazer de cega deixava mesmo de ver? Ficava com dores horríveis nos olhos até me saltarem as lágrimas. Era de Olhar fixamente.

João de Deus: Olha, para eu ver.

João de Deus: E não tens vergonha?

Joana: Tenho, mas o que é que hei-de fazer. O mau pai obrigava-me. A isso, e a pior.

João de Deus: A pior. Como?

Joana: Tenho que dizer’

João de Deus: Já tenho idade para ouvir certas coisas…

Joana: A ir com os homens. Se me recusasse, moía-me com pancada.

João de Deus: A moral dos cegos é diferente da nossa.

Joana: O senhor é um santo mas já lhe dei muita maçada. Coitadinho, até podia ter morrido enregelado por minha causa.

João de Deus: Enregelado não direi, mas meio da digestão de umas sardinhas de conserva podia dar-me uma congestão. Íamos os dois.

Joana: Ainda por cima, não faço falta a ninguém.

João de Deus: Já não estás só no mundo. Vou-me ausentar por uns dias. É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus. Sou um homem rico, isto é, privado do privado assento etéreo. Ando cá por baixo a refazer a minha vidinha. Tenho uns Fazereres no Cambodja.

Joana: O senhor é a minha luz.

João de Deus: Sou fraca candeia.

NUM VELHO TEMPLO

num velho templo

nas profundezas de Takano

na província de Ki

passei a noite escutando

as gotas de chuva caindo dos cedros

Ryokan

segunda-feira, 17 de junho de 2024

POSTAIS SEM SELO


Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo.

José Saramago

O OUTRO LADO DAS CAPAS

Os 50 anos do 25 de Abril possibilitaram a saída de numerosos livros. Memórias, fotografias, histórias. Um aspecto interessante está relacionado  com os livros tendo em vista as crianças, muitas delas que ainda não eram um sorriso na cara dos seus pais quando a ditadura caiu.

Um desses livro é Sempre escrito por Rita Taborda Duarte e ilustrado por Madalena Taborna, um muito bonito licro editado pela Assembleia da República.

Rita Taborda Duarte é uma das duas filhas do escritor Mário de Carvalho, a outra é Ana Margarida de Carvalho e pode-se lembrar o provérbio popular de que filhas de peixe sabem nadar.

«Por isso quando nasci, o meu pai viu-me, pela primeira vez, à distância de um vidro baço e grosso que nem por nada se quebrava: a PIDE (Polícia Incrivelmente Destituída e Estúpida) mantinha-o preso no forte de Peniche, em frente ao mar. Tanto mar, tanto mar…»

Um livro bonito e comovente, com histórias que metem pelo meio canções e poemas de Ary dos Santos, José Afonso, José Mário Branco, Lopes Graça, Sérgio Godinho, José Gomes Ferreira, Sérgio Godinho, Chico Buarque, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Alegre, Sophia de Mello Breyner, Jorge de Sena, Ruy Belo, António Ramos Rosa, Mário Cesariny, Alexandre O’Neill.

Por fim, dizer que esta maravilha de livro custa 8 euros e pode ser comprado na Livraria da Assembleia da República e, quando o forem comprar podem ter a possibilidade de conhecerem o Palácio de São Bento.

OLHAR AS CAPAS

Sempre

Rita Taborda Duarte

Capa e Ilustrações: Madalena Matoso

Colecção Missão: Democracia-25 de Abril nº 8

Edições Assembleia da República, Lisboa, Abril de 2024

 

                                                                E se em vez de ditar a dor,

                                                                pudéssemos soletrar uma flor?

 

Er a um país infeliz dividido entre o mar e a guerra, entre a bondade e a bruma. Queria-se um país futuro onde fosse a vida possível, mas a cada passo dado regressava-se ao passado. Em suma, nesse tal país, o dia parecia ser noite, ainda que despontasse a manhã. Ao hoje seguia-se o ontem: nunca mais chegava amanhã.

LINDO E SUBTIL TRANÇADO

Lindo e subtil trançado, que ficaste
em penhor do remédio que mereço,
se só contigo, vendo-te, endoideço,
que fora cos cabelos que apertaste?

Aquelas tranças de ouro que ligaste,
que os raios do Sol têm em pouco preço,
não sei se para engano do que peço,
se para me matar, as desataste.

Lindo trançado, em minhas mãos te vejo,
e por satisfação de minhas dores
como quem não tem outra, hei-de tomar-te.

E, se não for contente o meu desejo,
dir-lhe-ei que, nesta regra dos amores,
por o todo também se toma a parte.

Luís de Camões em Sonetos

POSTAIS SEM SELO


O Andy Warhol dizia que não tinha muitos amigos porque os amigos faziam-no perder muito tempo.

Gonçalo M. Tavares

Legenda: fotografia de Rui Ornelas

domingo, 16 de junho de 2024

DOS REBOTALHOS E COISAS ASSIM...


Euro 2024


Quando eu era pequeno e jogava  futebol de manhã à noite, havia uma espécie de jogador odiado por todos: era o dono da bola. O dono da bola era o mais rico de todos mas, invariavelmente, dos que pior jogavam. E, assim, volta e meia, para se vingar da sua falta de jeito, o dono da bola agarrava nela, ia-se embora e acabava o jogo. Ele era o dono da bola e, por, isso, tinha o privilégio de nos poder roubar a a bola e acabar com o jogo. Assim se compensava da sua impotência.

Autor desconhecido

1.

Cerca de 5 mil profissionais do Serviço Nacional de Saúde deverão aposentar-se este ano, estima a direcção executiva do SNS.

 2.

Paul Auster

Criou um estilo, foi uma estrela e retirou-se quase em silêncio, escreveu o Público na sua 1ª página.

Também no Público, mas a 5 de Maio, Rogério Casanova:
«A morte de Paul Auster teve direito a chamada de capa nos quatro principais jornais diários nacionais, incluindo o Correio da Manhã, apesar de o autor norte-americano ter falecido após doença prolongada na sua casa em Brooklyn e não atropelado por um tractor em Penalva do Castelo.
O fenómeno não é inédito, mas é suficientemente raro (e normalmente reservado para Saramagos ou Garcias Márquez) para tornar insatisfatórias as respostas mais comuns à pergunta: “Porque é que isto é capa de jornal?” (Dia calmo? Voto evangélico? Neoliberalismo?)


3.

Vinte anos depois do Euro 2004, as câmaras que investiram na construção e na requalificação de estádios ainda devem 22 milhões de euros de empréstimos e sentenças judiciais, avança, o Jornal de Notícias. O município de Leiria tem a maior fatia em dívida (10,9 milhões), seguindo-se Coimbra com seis milhões e Braga com cinco milhões de euros ainda por saldar. Neste momento, as câmaras procuram aliar a atividade desportiva à sustentabilidade financeira, com o arrendamento de espaços a empresas e a instituições públicas a ajudar a rentabilizar, mas as situações não são todas iguais.

4.

A segurança social tem 50 inspectores para fiscalizar 2606 lares de idosos registados, e existem para realizar as inspecções 22 viaturas, das quais 17 têm uma média de 24 anos de utilização e nunca estão todas operacionais.

5.

O número de pessoas em casas sobrelotadas aumentou quase 40% em 2023, o maior salto em 20 anos;  a renda mediana das casas fixou-se em 7,71 euros por metro quadrado no último trimestre de 2023, mais 11,6% que no mesmo período de 2022; infiltrações de água, humidade e mau isolamento térmico são problemas que afectam cerca de 30% das casas dos portugueses. 

6.

«O 25 de Abril não é hoje o que sonhávamos? Sem dúvida, mas só as utopias nunca concretizadas é que não nos desiludem, e o que temos é demasiado precioso para não o celebrarmos e, sobretudo, para o defendermos…»

Esther Mucznik

OLHAR AS CAPAS


Stuart

Catálogo da exposição de Stuart realizada no Palácio dos Corucheus

Maio/Junho de 1982

Programa e Organização de Paulo Madeira Rodrigues

Edição da Câmara Municipal de Lisboa, 1982

De dezenas de milhar de originais que Stuart desenhou, descuidadamente, em qualquer papel, em casa sobrea a prancheta, ou em mesas e balcões de café e tabernas de acaso, traçados a caneta, a lápis, a carvão de pau de fósforo queimado ou palito mastigado e molhados em saliva, borra de café ou de vinho, restam realticamente poucos. A maioria perdeu-se no lixo das redacções, nas limpezas negaligentes de arquivos, nos arrumos de estantes e de bibliotecas. REunem-se, agora, pouco mais de três centenas para realizar a «exposição possível» e a homenahem há muito devidas ao artista.

OLHARES

«Não vou aqui me gabar – mas vi Luzes da Cidade mais de vinte vezes. Aliás não seja por isso porque Otávio de Faria viu mais de trinta.»

Vinicius de Moraes

sábado, 15 de junho de 2024

OLHAR AS CAPAS


 Coca-cola Killer

António Victorino de Almeida

Edições O Jornal, Lisboa, Novembro de 1981

                                                                        Qualquer semelhança

                                                                         entre este livro

                                                                         e uma garrafa

                                                                         é pura coincidência.

Ainda que este livro não deva ser, de modod algum, uma daquelas autobiografias grotescas em que o autor relata toda a sua história desde a idade das fraldas, não posso deixar de citar a data triste da minha infância em que – motivado pela circunstância de meu avô dormir de braçaos abertos – pretendi crucifica-lo no colchão, chegando a cravar-lhe uma cavilha na mão esquerda.

Ao contrário do que se propalou pelas vias da coscuvilhice da vizinhança, a gangrena que o vitimou não derivou do ferro ferrugento da cavilha, mas de um panarício anterior ao atentado – o que não impediu que tanto a acção concreta como a calúnia me marcassem para o resto da vida, com a memória escaldante de uma tragédia

MÚSICA PELA MANHÃ




Está velho e cansado.

De quê?

Não sabe responder.

Repete muitas coisas. No meio das conversas já esquece o que estava a dizer.

No recorte que hoje para aqui trouxe, lembrou uma canção de Brel. Uma canção de que por aqui já falou que é a versão dessa canção na voz de Nina Simone.

Repete muitas coisas, escreveu atrás.

Mas relê agora que nesse texto prometeu que um dia traria a versão da Maysa Matarazzo.

Esqueceu-se. 

Mas fica agora.


VELHOS RECORTES


Este anúncio foi publicado no Diário de Notícias de 30 de Março de 2002.
Hoje, o mundo do pequeno anúncio é, completamente, diferente: apelam a call girls, a carl boys, a massagens a isto, aquilo e aqueloutro.

Um tempo houve que os anúncios, principalmente os do Diário de Notícias revelavam pessoas à procura de outras para convívio, para refazerem uma vida, pessoas invadidas por uma solidão, a que, desesperadamente, queriam fugir.

«Sou divorciada, 36 anos e dois filhos. Procuro companheiro livre, formado e culto para juntos construirmos a felicidade a que temos direito».

«Separado, 48 anos, grande solidão, posição estável, pretende senhora para convívio».

Fugir à solidão, tentar, ainda, uma gota de felicidade, por vezes nem felicidade é, apenas um aconchego…

Que faz correr esta gente cansada? Donde vem esta gente tão só? Que sabemos nós? Que desígnios, situações, circunstâncias os levaram até aqui?

O vazio. A lucidez deste hábito. Nascer é inaugurar a solidão. Será?
Há prédios no centro de Lisboa onde apenas vive um idoso, o resto são escritórios.

Quando a pessoa se dá conta que está sozinha vai para o hospital. Não diz que está sozinho, diz que está doente. Os serviços hospitalares têm destes casos todos os dias.

E estes são os que ainda podem sair de casa. Outros… bom... outros...

Quantos milhares de idosos vivem sozinhos em Lisboa? E ali? E acolá?

Em 2023 estimavam-se 575 mil idosos a viver sozinhos. 

Saber administrar a solidão…

Perguntaram a um pastor se ele não se aborrecia de estar ali, dias e dias, com as ovelhas e mais nada.

«Não, não me aborreço porque as ovelhas às vezes bolem…»

A solidão que não pára de crescer…

Não me deixes
Oferecer-te-ei
Pérolas de chuva
Vindas de países
Onde nunca chove
Não me deixes
Deixa-me ser
A sombra da tua sombra
A sombra da tua mão
A sombra do teu cão
Não me deixes…»
 

sexta-feira, 14 de junho de 2024

POSTAIS SEM SELO


Não nos lembramos de dias, recordamos momentos. A riqueza da vida está nas memórias que esquecemos.

Cesare Pavese

DOS REBOTALHOS E COISAS ASSIM...


Na Alemanha, começou hoje o Mundial de Futebol.

Sejam bem-vindos ao tempo em que todos os dias são domingo.

De, hoje até 14 de Julho e não se falará de mais nada.

 Aliás, já há muitas semanas, que não se fala de outra coisa.

As televisões encharcam-nos as horas, com todas as incidências por que passa a selecção nacional.

Uma verdadeira náusea, um espectáculo absolutamente patético.

É óbvio que o futebol não tem culpa de ser um belo espectáculo.

Hoje, como ontem, sempre foi mais fácil um miúdo encontrar uma bola do que um livro.

Mas nos dias que correm, não há pai que não sonhe que o filho venha a ser: não um médico, um canalizador, um advogado, um carpinteiro, mas sim um Cristiano Ronaldo.

Carlos Drummond de Andrade dizia:

«Bem aventurados os que não entendem nem aspiram a entender de futebol, pois deles é o reino da tranquilidade.»

Ele sabia bem do que falava!

1.

O selecionador Roberto Martínez disse que o grupo está pronto para disputar a fase final da competição, prometendo uma viagem rumo a Fátima em caso de título, embora não a pé, uma vez que "pode ser muito difícil".

2.

Ontem, no interior do hotel durante a cerimónia protocolar de receção à chegada dos jogadores estava prevista a actuação do rancho folclórico das Lavradeiras de Gutersloh  mas a UEFA impediu e mandou retirar os elementos do local por não haver segurança suficiente.

3.

A poucos dias do primeiro jogo no Euro 2024, Portugal estreia-se em terras germânicas, na manhã desta sexta-feira, com um treino no estádio do FC Gutersloh. O momento será seguramente de festa e euforia, mas a distribuição dos convites gratuitos tem provocado polémica na pequena cidade alemã. As cerca de 8200 entradas disponibilizadas para o evento foram alocadas em poucos minutos, com a procura a ultrapassar largamente a oferta. Com uma forte comunidade portuguesa no país anfitrião da competição, muitos dos bilhetes terão sido entregues a alemães, com queixas de responsáveis locais.

Além disso, com o aproximar do tão cobiçado treino, os convites gratuitos têm sido colocados à venda por centenas de euros – com uma publicação entretanto apagada a pedir mil euros pelo ingresso.

OLHAR AS CAPAS


A Funda

2º Volume

Artur Portela Filho

Capa: Mendes de Oliveira

Moraes Editores, Lisboa, Novembro de 1972

«A estes ninguém os meteu em autocarros.

São oitenta mil e foram eles que escreveram os cartazes.»

Provam que a multidão pode ser um acto voluntário.

Provam que o entusiasmo pode ser um acto espontâneo.

A diferença entre a política e a sociologia chama-se Benfica. Um Benfica é o que é – indústria do músculo. Fábrica de chutos, catedaral de taças – e mais aquilo que nada mais consegue unir.

O Benfica foi inventado para substituir a Política.

Agora, que a Polítca quer regressar, encontra o lugar tomado. 80.000 lugares tomados.

REVOLUÇÃO É UMA PALAVRA MUSCULAR

Não contem os dias caros senhores.
Há coisas mais urgentes do que embalar o tempo em plástico
alveolar. É por aí que as horas fogem à palavra já,
esta palavra urgente até ao ínfimo segundo. Cada bolha
seria um ano mais de ditadura. Não vos dói o coração dos outros?
A boca parada da vida obriga-me a palavras como já e nunca mais.
São palavras de andar, têm um corpo muscular de sim,
músculos de acelerar a revolução enquanto os caros senhores
olham as canetas azuis com que se mata a literatura em nome
de qualquer coisa que não é decerto um livro que julgávamos
irremediavelmente publicado. Caros senhores, com abril a revolução
não teve um fim, teve um início que já tinha começado
antes de estiar as nossas vidas.
Não contem dias inúteis. A matemática habita o já
e a liberdade pode perigar no dedo mindinho, ou num capilar
de desatenção. A palavra do agora-sempre é revolução.
A palavra do aqui é já, um já modelado com alteres,
e ainda assim minúsculo para tanto exercício cardiovascular
sem necessidade de aquecimento.
A letra “J” é uma coluna que marcha à procura da letra “à”
e encontram-se numa fonte de cravos onde as gentes
bebem à porta da cidade morena, atravessada a noite
das prisões. Mas há sempre uma mão alheia a trabalhar na sombra
e melhor do que contarem as horas é vigiarmos nós o sol
para que nasçam sempre cravos, sempre o vermelho insanguíneo
da liberdade. A revolução é a única melodia do amanhecer.

Rosa Alice Branco

Nota do Editor:  Este poema de Rosa Alice Branco foi tirado do Público de 23 de Maio de 2004.

Poesia Pública é uma iniciativa do Museu e Bibliotecas do Porto comissariada por Jorge Sobrado e José A. Bragança de Miranda. Ao longo de 50 dias publicaremos 50 poemas de 50 autores sobre revolução.