O Livro de Cesário Verde
Seguido de Algumas Poesias Dispersas
Cesário Verde
Edição revista por Cabral do Nascimento
Editorial Minerv, Lisboa s/d
Arrojos
Se a minha amada um
longo olhar me desse
Dos seus olhos que
ferem como espadas,
Eu domaria o mar que
se enfurece
E escalaria as
nuvens rendilhadas.
Se ela deixasse,
extático e suspenso
Tomar-lhe as mãos
«mignonnes» e aquecê-las,
Eu com um sopro
enorme, um sopro imenso
Apagaria o lume das
estrelas.
Se aquela que amo
mais que a luz do dia,
Me aniquilasse os
males taciturnos,
O brilho dos meus
olhos venceria
O clarão dos
relâmpagos nocturnos.
Se ela quisesse
amar, no azul do espaço,
Casando as suas
penas com as minhas,
Eu desfaria o Sol
como desfaço
As bolas de sabão
das criancinhas.
Se a Laura dos meus
loucos desvarios
Fosse menos soberba
e menos fria,
Eu pararia o curso
aos grandes rios
E a terra sob os
pés abalaria.
Se aquela por quem
já não tenho risos
Me concedesse
apenas dois abraços,
Eu subiria aos
róseos paraísos
E a Lua afogaria
nos meus braços.
Se ela ouvisse os
meus cantos moribundos
E os lamentos das
cítaras estranhas,
Eu ergueria os
vales mais profundos
E abateria as
sólidas montanhas.
E se aquela visão
da fantasia
Me estreitasse ao
peito alvo como arminho,
Eu nunca, nunca
mais me sentaria
Às mesas
espelhentas do Martinho.
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