sábado, 28 de abril de 2018

RESTAM AS HORTAS


De toda a lavoura que já teve este lugar
restam as hortas, e não é por acaso:
são mais aconchegadas à aldeia
e por isso não exigem grandes caminhadas
nem excedem em muito as forças dos velhos
e, enfim, as couves e as batatas
estão pela hora da morte no mercado.

Restam pois as hortas. Tudo o resto,
searas e vinhas e olivais,
e tilintar de chocalhos nos lameiros,
e chiar de carros nas madrugadas de Julho
- só já muito longínquo, como se
Já noutra nebulosa

Como se alastrasse pela Terra Quente
a mais desoladora das charnecas,
a mais agreste e batida dos ventos.

Só já escombros.
Só já um espelho que se estilhaçou
e que, quando tento recompô-lo,
me faz rasgões na alma

A.M. Pires Cabral em Resumo: a poesia em 2013

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