domingo, 29 de abril de 2018

ESTADOS DE PERPLEXIDADE ANGUSTIOSA


António José Saraiva, ao longo da sua correspondência com Óscar Lopes , lamenta-se que o amigo lhe escreva tão pouco.
Na carta, datada de Paris a 23 de Março de Março de 1964, começa por escrever:

Recebi a tua carta via Suiça. Aliás simples postal escrito a correr. Sei que tens falta de tempo, mas essa não é a razão verdadeira de me escreveres pouco.

O final da carta é uma abordagem de «alguns problemas pessoais»:

«O meu contrato com o CNRS acaba impreterivelmente em Setembro. Até lá preciso de saber o que vou fazer. Tentei uma diligência a saber se poderei colocar-me na Universidade de Argel, Se falhar – que é o mais provável – terei de tentar o Brasil, porque tenho responsabilidades de família. Mas receio que indo para o Brasil lá fique. Os rapazes estão na adolescência os mais velhos, e arrisco-me a ter netos brasileiros. Talvez não me seja possível mais tarde refazer uma vida em Portugal. Por isso a ida para o Brasil quase me aterroriza. Este problema traz-me num estado de perplexidade angustiosa. Outro problema que continua a afligir-me é o da solidão moral e física. Isto faz com que eu fuja o mais possível do meu quarto, o que prejudica o meu trabalho. Tenho pensado muito nestes últimos tempos, mas tenho escrito pouco. Por  outro lado, para satisfazer as minhas obrigações com o CNRS meti-me num trabalho erudito e minuciosos sobre Vieira, que tem certo interesse, mas que não é o género de trabalho que propriamente me interessa. É fundamental para eu escrever estar metido numa polémica ideológica. Gosto de viver e falar no meio de gente. Evidentemente que não é em Paris que eu me sinto empenhado. Não o será também no Brasil, a não ser que eu deixe de pensar em Portugal, o que me parece impossível. Até agora sofro de todas as desvantagens de estar longe de Portugal, sem em troca ter achado outro meio de integração.

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