Aqui era a Livraria
Pó dos Livros.
Fechou portas no dia
31 de Março.
Lisboa continua a
destruir-se, história e histórias espezinhadas pela especulação imobiliária.
Como posso escrever sobre
o fecho de uma livraria? De um café? De um cinema?
São dores que
acabamos por chorar sozinhos.
Dificuldades quase
inexplicáveis.
Fui um dos últimos
espectadores, mas, ainda hoje, passados 5 anos, ainda não escrevi nada sobre o
fim dos Cinemas King.
Em Fevereiro, Jaime
Bulhosa, gerente da Pó dos Livros, escrevia no blogue da livraria:
«Setembro de 2007, abrimos as portas, e já nessa altura planava sobre
nós o abutre. Nunca passava para cá da linha da porta. No entanto, rondava de
perto, dava uma bicada, ou duas, nos nossos pés e ficava inquieto à espera que
chegasse a hora fatal, grasnando num som surdo, como só os abutres sabem fazer:
«Quando é que chega o dia da liquidação total? Mais cedo ou mais tarde, todas
as livrarias irão fechar».
Nós bem o tentámos enxotar para longe, mas ele voltava sempre. Olhava
de viés, ao mesmo tempo que inspirava o ar, à procura de aromas de moribundo.
Contudo, ainda não tinha chegado a nossa hora e, voou com notícias de defunto
vindas de outras paragens.
Nos anos seguintes apareceu de novo, mas desta vez, acompanhado com
mais amigos, urubus, corvos e outros necrófagos. Todos vestidos a rigor de
plumas negras reluzentes, entoando já a marcha fúnebre de Chopim – tan, tan,
taran–, «Quando é que chega o dia da liquidação total? Mais cedo ou mais tarde,
todas as livrarias irão fechar». Porém, ainda não tinha chegado a nossa hora e
voaram, outra vez, com notícias de defunto vindas de outras paragens.
Escrevi este texto em Março de 2011 e já previa este fim. É
verdade chegou a hora da livraria Pó dos Livros «celebrar o dia da liquidação
total». No dia 31 de Março de 2018, mais esta livraria passará a
ser uma mera recordação, um pedaço de pó na memória de poucos.
Mais tarde escreverei sobre as causas e razões. Farei também os devidos
agradecimentos a quem sempre nos apoiou, porque percebe
qual importância da existência de uma rede de livrarias
independentes em todas as nossas vilas e cidades.
Até breve».
À agência Lusa, Jaime
Bulhosa explicou:
«Os motivos são os mesmos de sempre, de todas as outras livrarias que
já fecharam. Em primeiro lugar, rendas altíssimas que não permitem ao negócio
dos livros sobreviver, depois uma concorrência que é completamente desleal,
porque é impossível concorrer com as grandes cadeias, com os descontos que eles
fazem, e com as margens que nós temos, portanto as livrarias independentes
estão em extinção».
A Pó dos Livros
definia-se como uma livraria de bairro,
independente, alternativa, com livreiros experientes.
Abriu portas na
Avenida Marquês de Tomar, transferiu-se, mais tarde, para a actual localização,
no n.º 58A da Avenida Duque de Ávila, na esquina com a Conde de Valbom.
Tinha um nome bonito
com origem numa passagem de A Sombra do
Vento, de Carlos Ruis Zafón, sobre um
cemitério de livros esquecidos, cheios de pó, que recordou a Jaime Bulhosa
uma história com seu pai, em que este lhe explicou que os livros com pó são os
mais importantes, por serem aqueles que resistiram
ao tempo.
Não compro livros em grandes
superfícies, não vou à FNAC, não entro na Barata, nem na Bertrand porque
pertencem a essa coisa que dá pelo nome de grandes grupos livreiros.
A Pó dos Livros era o
meu porta-aviões.
Se não tinham
qualquer livro que eu pretendia, prontificavam-se para, no mais curto espaço de
tempo, estar nas minhas mãos.
Agora, sinto-me perdido
sem o afecto que a Pó dos Livros me propoercionava e invade-me uma desesperante
tristeza fria,
Hoje vendem-se livros
com uma displicência que me horroriza,
Terei que dar a volta
ao texto.
Como dizia o meu avô
onde não há uma saída, tem necessariamente de existir uma saída.
Vou á procura, vou à
procura, de pequenas livrarias espalhadas pela cidade, não são muitas, é certo,
para não sentir o tal arrepio que Jorge Silva Melo sentiu quando viu que uma pequena livraria abriu um dia em
Campo de Ourique, mesmo perto da casa onde vive, mas não chegou a estar aberta
um ano porque se enrolou a comprar livros nas fnacs, nas amazons.
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