Relatório de Sombras ou a Memória das Palavras II
José Gomes Ferreira
Capa: Vitorino
Martins
Moraes Editores,
Lisboa, Setembro de 1980
Porque isso da velhice, se não me engano (naturalmente engano-me), não
é propriamente o estado de liberdade ideal descrito por Platão. Por
circunstâncias cuja descrição não vem ao caso, já comecei mesmo a fazer certas
descobertas que me descoroçoaram.
Esta, por exemplo: os velhos perdem o prazer da solidão. Sofrem-na,
resignados – o que é diferente. A alegria que ela tanto dá à gente nova, por
riqueza interior, desvanece-se. Para os velhos – pelo menos para certos velhos –
torna-se na antecâmara da morte, espécie de isolamento numa ilha de gelo que
seca a imaginação e impede que se criem fantasmas novos. O recurso à ruminação
do Passado – o efémero retorno – com para-se lá à felicidade da juventude,
quando um moço se fecha à chave no quarto e apaga todas as luzes para pensar na
bem-amada sem testemunhas, a sentir a fraternidade que é o supremo bem dos solitários.
Em resumo: os velhotes ainda se toleram e divertem quando são foleiros
e irresponsáveis e principiam a perseguir as pequenas com graçolas tontas que
elas ouvem com indulgência de assistir a um pôr-do-sol de cores incoerentes.
Mas quando as artérias dos pobres bichos começam a petrificar, até apetece
pedir a demissão de não sei quê.
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