Os calendários mudam, são diversos,
povos contaram o tempo de outra maneira,
mas mais curtos ou mais longos desde sempre,
os anos passam. Como medida em que os dias
morrem agrupados numa série que mais longa
morre. Por eles e com eles somos gerações
uma após outra que desaparecem. Alguns ficam
na memória, nos museus, ou transformados
em ideias, sonhos, pesadelos, as imagens
do que fomos ou não, quisemos ser ou não.
Os anos passam. Este, como os outros,
está já nos últimos minutos que tão longamente
se não contaram quanto agora contam.
Foi como os outros sempre um ano triste
de mortes e massacres, insensatos crimes,
traições e mesquinhez, maldade e vis paixões,
e algumas guerras encobertas, exilados,
e foragidos, gente espoliada, tudo
o que sempre se fez na humanidade que
existe em nós maligna além aquém de quanto
às vezes nos faz grandes: um gesto, amor,
a música, e a bondade, as artes, toda a fé
seja em que for de puro e de profundo,
num só que se dedica, em todos que no dia
a dia vão perdendo o tempo que lhes resta.
Este ano morre, outro virá igual,
melhor, pior, terrível, este horror contínuo
de ser-se humano enquanto o ser-se humano é pouco
um pouco mais apenas que existir-se à sombra
do que nos rouba a liberdade clara
de sermos nós e amor, de sermos só sem ódio.
Vai-te como os outros, ano que terminas.
Outro virá cheio de morte e vida,
feito de tudo o que nos cria mais
tristes e mais velhos quando somos velhos,
raivosos e mais velhos quando somos jovens.
Vai-te e que se vá contigo o fétido clamor
de um ano mais. E que outro venha e traga:
oh nada, nada, nada, que não seja só
o tempo que se esvai neste sonhar da vida
como algo de viver-se dentro em nós e em todos.
povos contaram o tempo de outra maneira,
mas mais curtos ou mais longos desde sempre,
os anos passam. Como medida em que os dias
morrem agrupados numa série que mais longa
morre. Por eles e com eles somos gerações
uma após outra que desaparecem. Alguns ficam
na memória, nos museus, ou transformados
em ideias, sonhos, pesadelos, as imagens
do que fomos ou não, quisemos ser ou não.
Os anos passam. Este, como os outros,
está já nos últimos minutos que tão longamente
se não contaram quanto agora contam.
Foi como os outros sempre um ano triste
de mortes e massacres, insensatos crimes,
traições e mesquinhez, maldade e vis paixões,
e algumas guerras encobertas, exilados,
e foragidos, gente espoliada, tudo
o que sempre se fez na humanidade que
existe em nós maligna além aquém de quanto
às vezes nos faz grandes: um gesto, amor,
a música, e a bondade, as artes, toda a fé
seja em que for de puro e de profundo,
num só que se dedica, em todos que no dia
a dia vão perdendo o tempo que lhes resta.
Este ano morre, outro virá igual,
melhor, pior, terrível, este horror contínuo
de ser-se humano enquanto o ser-se humano é pouco
um pouco mais apenas que existir-se à sombra
do que nos rouba a liberdade clara
de sermos nós e amor, de sermos só sem ódio.
Vai-te como os outros, ano que terminas.
Outro virá cheio de morte e vida,
feito de tudo o que nos cria mais
tristes e mais velhos quando somos velhos,
raivosos e mais velhos quando somos jovens.
Vai-te e que se vá contigo o fétido clamor
de um ano mais. E que outro venha e traga:
oh nada, nada, nada, que não seja só
o tempo que se esvai neste sonhar da vida
como algo de viver-se dentro em nós e em todos.
31.1275
Jorge de Sena em 40 Anos de Servidão
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