Da carta, datada de 7
de Outubro de 1963, de António José Saraiva para Óscar Lopes:
O liberalismo nunca foi uma ideologia popular. Os liberais dos séculos
XVIII e XIX abandonaram espiritualmente o povo à sua sorte. O liberalismo é uma
ideologia para eleitos, para burgueses esclarecidos. E o povo continuava a ser
católico, a menos que ficasse espiritualmente vazio.
O PC veio justamente dar ao povo a ideologia que a Igreja católica já
não estava em condições de lhe fornecer, e desempenhar o papel sociológico que
era o da Igreja Católica. O liberalismo esqueceu o povo, porque estava
convencido de que só há verdade científica de convicções individuais. Criou
portanto um vazio, que o PC veio preencher. O PC é a verdade do grupo, a
verdade da crença, a verdade que existe fora do sujeito.
Por isso milhares de pessoas, algumas das quais tu e eu conhecemos, se
limitaram a passar da Igreja Católica para o PC, trazendo consigo toda a sua
capacidade de Fé e até todo o seu puritanismo de costumes.
O Marx estudos as sociedade humanas à luz da luta de classes. Mas há
outros factores sociológicos, que ele não se propôs estudar, e que têm uma
importância básica no processo histórico. As leis do agrupamento estão neste
caso.
O problema para mim é que sou anti-católico em qualquer sentido, porque
anti-ortodoxo. Sou hereje de qualquer religião. Situação muito incómoda de que
já estou sentindo os efeitos. Os meus antigos amigos e admiradores que não me
regateavam as palmas estão tentando excomungar-me.
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