Em 15 de Novembro de
1973, Mário-Henrique Leiria está de novo em Carcavelos e escreve a Isabel,
chamando-lhe «Jezebel querida.»
Diz que continua a
amá-la, «não será muito, mas é o que
posso fazer» e conta-lhe:
A mãe teve um espasmo cerebral e
ficou paralisada do lado direito: médicos, especialistas, injecções diárias,
pílulas, comprimidos, eu sei lá! Uma encrenca. Lá vai um bocado melhor,
perfeitamente lúcida. Já consegue dar-me um berro de vez em quando, o que é
óptimo sintoma. A minha tia, coitada, achacada como é e com os nervos
desorientados, tem aumentado ainda mais o sarilho, Quanto a mim, é o que
calculas: sempre que posso lá vou à rua, às compras com o carrinho e tudo. Mas
às vezes não posso, o reumatismo resolveu apanhar-me também as costas e tornozelos
e os joelhos (talvez seja um pouco de nervosos miudinho, sei lá) e as dores são
frequentemente tão abundantes que até para mexer a cabeça é uma ventura dificílima.
Drogas para a frente e pronto, que um homem tem que aguentar… até poder.
Em Maio de 1973, a
Ulisseia publicou os Contos do Gin-Tonic
com um sucesso que poucos esperavam e não mais largou o Mário para um outro
livro:
Há quase dois meses que o editor anda em cima de mim para publicar a
coisa. Leu o bicho e parece que achou excepcional, muito melhor que o outro. Eu
não acho, mas enfim, o problema é dele. Só que eu não queria publicar, não
queria mesmo, estou farto de palhaçadas, Mas agora teve de ser, tenho que
aguentar o barco seja lá como for, que já está a meter água por todos os lados.
E o editor paga; mal, mas paga. Pronto. O homem ficou satisfeitíssimo, veio cá,
levou os papéis, deu-me logo o contrato (não fosse eu voltar atrás, sabe-se
lá) e o tal livro deve sair em Dezembro. Não tenho nada com isso, estou farto
de tudo. Eles que façam o que quiserem, desde que paguem. E aí está como vendi
meio quilo de papel, que é afinal a que se reduz a nossa brilhante literatura.
Querida, desculpa estes desabafos, tem um pouco de paciência para
aturar este teu amigo velho e cansado.
Os Novos Contos do Gin saíram mesmo em Dezembro de 1973.
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