terça-feira, 10 de abril de 2018

MAS É O QUE POSSO FAZER...


Em 15 de Novembro de 1973, Mário-Henrique Leiria está de novo em Carcavelos e escreve a Isabel, chamando-lhe «Jezebel querida.»
Diz que continua a amá-la, «não será muito, mas é o que posso fazer» e conta-lhe:

 A mãe teve um espasmo cerebral e ficou paralisada do lado direito: médicos, especialistas, injecções diárias, pílulas, comprimidos, eu sei lá! Uma encrenca. Lá vai um bocado melhor, perfeitamente lúcida. Já consegue dar-me um berro de vez em quando, o que é óptimo sintoma. A minha tia, coitada, achacada como é e com os nervos desorientados, tem aumentado ainda mais o sarilho, Quanto a mim, é o que calculas: sempre que posso lá vou à rua, às compras com o carrinho e tudo. Mas às vezes não posso, o reumatismo resolveu apanhar-me também as costas e tornozelos e os joelhos (talvez seja um pouco de nervosos miudinho, sei lá) e as dores são frequentemente tão abundantes que até para mexer a cabeça é uma ventura dificílima. Drogas para a frente e pronto, que um homem tem que aguentar… até poder.



Em Maio de 1973, a Ulisseia publicou os Contos do Gin-Tonic com um sucesso que poucos esperavam e não mais largou o Mário para um outro livro:

Há quase dois meses que o editor anda em cima de mim para publicar a coisa. Leu o bicho e parece que achou excepcional, muito melhor que o outro. Eu não acho, mas enfim, o problema é dele. Só que eu não queria publicar, não queria mesmo, estou farto de palhaçadas, Mas agora teve de ser, tenho que aguentar o barco seja lá como for, que já está a meter água por todos os lados. E o editor paga; mal, mas paga. Pronto. O homem ficou satisfeitíssimo, veio cá, levou os papéis, deu-me logo o contrato (não fosse eu voltar atrás, sabe-se lá) e o tal livro deve sair em Dezembro. Não tenho nada com isso, estou farto de tudo. Eles que façam o que quiserem, desde que paguem. E aí está como vendi meio quilo de papel, que é afinal a que se reduz a nossa brilhante literatura.

Querida, desculpa estes desabafos, tem um pouco de paciência para aturar este teu amigo velho e cansado.

Os Novos Contos do Gin saíram mesmo em Dezembro de 1973.

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