quarta-feira, 25 de abril de 2018

RAZÕES A QUE NÃO PODIA FUGIR


Retirou-se Salvador, houve depois um longo silêncio, parecia menos fácil falar com toda esta luz, então Marcenda disse, Se não é abuso da minha parte, posso perguntar-lhe por que está a viver há um mês no hotel, Ainda não me resolvi a procurar casa, aliás não sei se ficarei em Portugal, talvez acabe por voltar para o Rio de Janeiro, Viveu lá dezasseis anos, disse o Salvador, por que foi que resolveu regressar, Saudades da terra, Em pouco tempo as matou, se já fala em partir outra vez, Não é bem assim, quando resolvi embarcar para Lisboa parecia-me que tinha razões a que não podia fugir, questões importantíssimas a tratar cá, E agora, Agora, suspendeu a frase, ficou a olhar o espelho na sua frente, Agora vejo-me como o elefante que sente aproximar-se a hora de morrer e começa a caminhar para o lugar aonde tem de levar a sua morte, Se regressar ao Brasil e de lá não voltar nunca mais, esse será também o lugar onde o elefante foi morrer, Quando alguém emigra, pensa no país onde talvez morra como país onde terá vida, é esta a diferença, Talvez que quando eu vier a Lisboa, daqui por um mês, já não o encontre, Posso ter arranjado casa para habitar, consultório, hábitos, Ou ter regressado ao Rio de Janeiro, Logo o saberá, o nosso Salvador lhe dará a notícia, Virei, para não perder a esperança, Ainda estarei por aqui, se não a tiver perdido.


Legenda: fotografia tirada do blogue Restos de Colecção.

Sem comentários: