Retirou-se Salvador, houve depois um longo silêncio, parecia menos
fácil falar com toda esta luz, então Marcenda disse, Se não é abuso da minha
parte, posso perguntar-lhe por que está a viver há um mês no hotel, Ainda não
me resolvi a procurar casa, aliás não sei se ficarei em Portugal, talvez acabe
por voltar para o Rio de Janeiro, Viveu lá dezasseis anos, disse o Salvador,
por que foi que resolveu regressar, Saudades da terra, Em pouco tempo as matou,
se já fala em partir outra vez, Não é bem assim, quando resolvi embarcar para
Lisboa parecia-me que tinha razões a que não podia fugir, questões
importantíssimas a tratar cá, E agora, Agora, suspendeu a frase, ficou a olhar
o espelho na sua frente, Agora vejo-me como o elefante que sente aproximar-se a
hora de morrer e começa a caminhar para o lugar aonde tem de levar a sua morte,
Se regressar ao Brasil e de lá não voltar nunca mais, esse será também o lugar
onde o elefante foi morrer, Quando alguém emigra, pensa no país onde talvez
morra como país onde terá vida, é esta a diferença, Talvez que quando eu vier a
Lisboa, daqui por um mês, já não o encontre, Posso ter arranjado casa para
habitar, consultório, hábitos, Ou ter regressado ao Rio de Janeiro, Logo o
saberá, o nosso Salvador lhe dará a notícia, Virei, para não perder a
esperança, Ainda estarei por aqui, se não a tiver perdido.
José Saramago em O Ano da Morte de Ricardo Reis
Legenda: fotografia
tirada do blogue Restos de Colecção.
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