Chandler, Lettres.
Tenho o livro à minha frente. Releio, às vezes, uma ou outra carta. São
cartas serenas, inquietas, tímidas, polémicas, orvalhadas de pudor. E de magia.
A magia da escrita que ele confessa perseguir. Chandler fala dele, dos outros,
de gatos, do seu trabalho. A arquitectura, a atmosfera, o tricot do romance
policial. Philip Marlowe aberto de alto abaixo, como um boneco, exposto,
depositado, transmitido. Mais um adjectivo: quotidiano. Saem das suas entranhas
as vítimas de Sammy Glick, Sammy Glick ele próprio, seus compostos e derivados,
a maratona incansável do sucesso, a Black Mask toda inteirinha, dinâmica, estereotipada, esquizofrénica, consumível,
e que em Chandler atinge, através dos seus filtros verbais, aquele estádio
superior que é o exercício equilibrado de uma paixão: o plano sólido da
história, o encaixe de situações desencaixadas, o relance certeiro, o
descritivo absurdamente minuciosos, o diálogo coruscante, os factos, a névoa
dos factos, a rarefacção do conjunto, a elipse, a tecla silábica,
the-la-dy-in-the-la-ke, a estúpida brutalidade, a humidade do beijo, a bala na
têmpora, o enlace das aquisições, o desenlace, essa quase geométrica flor de
papel pintada a sangue que é cada um dos seus livros.
Dinis Machado em Gráfico de Vendas Com Orquídea
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