O Fruto da
Gramática
Nuno Júdice
Capa: Maria Manuel Lacerda
Publicações Dom Quixote, Lisboa, Setembro de 2014
Os gatos que
gostam de poesia metem-se
nos cantos da
casa, escondem-se debaixo das mesas,
aninham-se no
travesseiro daquele quarto,
ao fundo, onde há
muito ninguém dorme. Vejo-os,
no verão, no
parapeito da janela que dá para
a rua, ao sol, e
os olhos quase não se abrem
com a luz que os
fere. Esses gatos são gordos
como as grandes
estrofes dos poemas clássicos,
e os seus bigodes,
finos como um verso de sonora
aliteração, têm um
brilho dourado quando
a sua língua os
lambe e os deixa húmidos
de encontro ao
vidro. Quando os chamo, não
vêm ter comigo; e
se passo a mão pelo seu
dorso assanham-se
com a sensação
de que o tempo
lhes pertence. Assim, quando leio
os poemas em que
se passa de um verso a outro
com a mesma
delicadeza com que eles se movem,
sem ruído nem
sombra, compreendo o seu
gosto pela poesia,
e deixo-os dormir, ao sol,
com os olhos abertos
para o sonho, para
os cantos da casa,
e para as marcas de outrora
no travesseiro que
agora lhes pertence.
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