Para assinalar os 10 anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar alguns textos que por aqui foram sendo publicados.
RIBADOURO
Para mim, a Ribadouro, esquina
do fundo da Rua do Salitre com a Avª da Liberdade, está sempre agarrada
ao Belarmino, filme
do Fernando Lopes, ali pensado, escrito, encenado, discutido.
Também conhecida pela Universidade
do Tremoço.
O José Cardoso Pires em A Balada da
Praia dos Cães:
O chá na cervejaria Ribadouro: Isto não é uma cervejaria, é uma baía de
cascas de tremoços com canecas à deriva. Chulos do Parque Mayer a atacarem o
fastio na perna da boa santola, chauffeurs de praça a combinarem a sua
bandeirada de jogo num casino clandestino para os lados de Arroios ou para
Campolide que são bancas de entendidos por onde a polícia faz que não vê. Um
galador de coristas a puxar fumaças à distância. A dono Lurdes abortadeira.
Mestres-de-obras a arrrotar! Oh, senhores.
Quantos finos, quantos bifes com ovo a
cavalo, quantas conversas pela noite dentro, a esperança vã de mandar Salazar
borda fora.
O que ainda tivemos de esperar!...
Hoje, a Ribadouro está
mais voltada para os turistas, para uma classe específica, gente que
encheu os bolsos de dinheiro para, nos tempos que correm, nos acusarem de que
andámos a viver acima das nossas possibilidades.
Já não anda por lá a malta do Parque
Mayer, gente do jazz, das escritas, dos jornais e onde pontificava o clã
da Ribadouro.
Assim de memória, alguma da rapaziada
desse clã: Fernando Lopes, Canto e Castro, Manuel de Azevedo, Baptista-Bastos,
Manuel da Fonseca, José Cardoso Pires, Alexandre Vieira, Carlos de Oliveira,
rapazes, outros já entradotes, que, no fundo, só queriam assaltar a
felicidade, felicidade que, como dizia o Saint-Just, era possível.
Esperanças, sonhos, amores, desamores,
frustrações, andaram por aquelas mesas, juntamente com cervejas,
tremoços, cafés, o que calhava.
Não consigo passar junto à Ribadouro, sem
que os passos se encaminhem para o balcão, beber um copo de cerveja
clara, Sagres, naturalmente, olhar as mesas, agora atoalhadas para
turistas e gente fina, e sentir o rumor das conversas, não deixando de seguir
os ditames do José Gomes Ferreira:
Saudades de não poder inventar o futuro.
Às mais variadas horas, desde as sete da manhã até ao fim da tarde.
Texto
publicado em 23 de Setembro de 2013
2 comentários:
Do RIbadouro lembro-me sempre do bacalhau à braz.
Quanto à tal rapaziada agora juntam-se no facebook, no twiter no tik tok etc...e depois em vez de irem para o S.Jorge vão pró Netflix.
Adeus futuro
Foi aquela rapaziada que ajudou a equilibrar a nau, que nos ia dizendo, «ouvindo Beethoven» que haveria de chegar um qualquer dia das surpresas.
Chegou, sim senhor, mas depois não houve unhas para tocar a guitarra.
Enviar um comentário