quarta-feira, 25 de novembro de 2020

CONVERSANDO


 O Carnaval é que é o tempo de máscaras.

O Vergílio Ferreira dizia:

«Que ideia a de que no Carnaval as pessoas se mascaram. No Carnaval desmascaram-se».

Também o Miguel Torga no seu Diário:

«Carnaval. Nunca o festejei, nem o apreciei festejado pelos outros. Se o que ele significa no plano histórico: a luta ancestral da carne revoltada contra o formalismo das instituições, o esforço que desde Roma até ao Rio de Janeiro o civilizado jamais deixou de fazer quebrar os compromissos da disciplina colectiva. Simplesmente, a minha natureza, não é foliona. Nem me é dado iludir, ao abrigo de uma bula do deus Momo, o rigor impiedoso das calendas, nem sou capaz de viver a vida a rir-me dela. Sabe-me bem no ouvido o timbre de uma gargalhada sã, mas arranham-me a alma as casquinadas histriónicas. Bem sei que há quem arremede o Entrudo, e entre no jogo com o conhecimento de causa e em jeito de brincadeira. São burlões enganados. Dão rédea solta a metade de si, fiados no critério da outra metade, mal suspeitando que quem se fantasia mente, e, pior, mente sem dar conta. Muito embora compreensivo diante do equívoco de uma felicidade tão sofismada que não dá pela distãncia que vai do artifício ao lúdico, nem assim deixo de me arredar discretamente quando se aproxima a onda trapalhona de falsas ciganas, falsos mandarins, falsas minhotas e falsos campinos. Triste, porém. Triste a perguntar a mim mesmo de esta incapacidade de fingimento, esta singularidade hirta e sem remédio, não será como que um espinho a criar no corpo da saúde gregária. Se o meu próprio rosto não passará de uma máscara também, afinal, me escondo disfarçado. A máscara vincada e hostil da solidão.»

Mas a conversa não tem nada a ver com carnaval, é mais o pretexto para vos reproduzir o final da crónica de José Tolentino Mendonça num dos últimos Expresso:

«O ponto parece-me ser este: se não podemos não usar máscara, não nos esqueçamos, no entanto, do que significa um rosto. E tantos não esquecem, é verdade. Numa obra recente do teólogo Pier Angelo Sequeri conta-se uma história que narra precisamente a persistência do rosto por outros meios. Uma paciente que passou por um longo e sofrido internamento devido à Covid-19, ao despedir-se dos médicos e enfermeiros disse: “ Quando vos encontrar de novo não serei capaz de recordar distintamente os vossos rostos, mas reconhecerei infalivelmente os vossos olhos.”

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