terça-feira, 17 de novembro de 2020

SARAMAGUEANDO


 O Botas de Santa Comba Dão, que marcou este país de negro, desespero e miséria, mandou um dia os seus capangas espalharem a notícia de que beber vinho era dar de comer a um milhão de portugueses.

Foi um copo de vinho a mais bebido, ao almoço, pelo funcionário do Registo Civil, Silvino de seu nome, que à criança nascida na Azinhaga, terra ribatejana, a 16 de Novembro, de 1922 chamou  José de Sousa Saramago. O pai da criança pretendia que se chamasse apenas José de Sousa mas o funcionário Silvino, de olho brilhante pela pinguinha acrescentou Saramago que era a alcunha por que a família era conhecida na aldeia. Saramago é uma erva que cresce sem cultura em quase todo o Portugal.

José Saramago agradeceu o toque vinícola de Silvino que lhe permitiu o nome por que passou a ser conhecido no mundo, em vez do lacónico José de Sousa.

Regressamos a um País Levantado em Alegria, que, segundo Sergio Ramirez no prefácio,  nos conta como se fosse um thriller a história do Prémio Nobel atribuído a José Saramago:

«No dia 8 de Outubro de 1998, minutos depois de receber a notícia de que o Prémio Nobel lhe havia sido atribuído, José Saramago viu-se só, num imenso corredor de um aeroporto. Estava longe da companheira, muito distante da sua casa, do jardim onde passava os finais de tarde rodeado dos cães, e foi invadido por uma «solidão agressiva» que nunca havia sentido. «Deram-me o Nobel e o quê?, diz que pensou, naquele momento o escritor português. E percebeu que a alegria com a notícia fora encoberta pelo facto de não ter com quem partilhar aquela conquista.»

Numa entrevista ao Jornal de Letras falou sobre os cerca de 400 dias em que viveu uma vida de estrela de rock.

«Quando disse que o Nobel não ia mudar a minha vida, provavelmente o que queria dizer é que não ia mudar a pessoa. Mudar a vida, calculava; não podia imaginar era até que ponto. E com que intensidade, nesta espécie de delírio que foi viver este ano. Um ano que não posso esquecer.»

«Não quis ficar em casa. Seria absurdo se i fizesse então, porque nunca o fiz. Nunca fui pessoa de me entregar à minha obra e não querer saber de mais nada.»

«Nesse ano atípico, em que não escreveu quase nada, mas em que viveu muito, Saramago dividiu com os seus leitores e amigos espalhados pelo mundo um galardão que foi recebido e celebrado como um bem comum. Foi o Nobel da língua portuguesa, o Nobel de milhões de leitores de Saramago espalhados pelos cinco continentes, E também o Nobel daqueles que, não tendo lido um só livro do autor, se reconheciam nas suas origens e forma de ver o mundo.»


Legenda: fotografia de Daniel Mordzinski

1 comentário:

Seve disse...

Nestes negros dias que estamos vivendo é com um brilho nos olhos que leio SARAMAGUEANDO, pois estas são pérolas que amenizam estes dias de chumbo.