Os Armários Vazios
Maria Judite de
Carvalho
Capa: João da
Câmara Leme
Colecção
Contemporânea nº 83
Portugália
Editora, Lisboa, Abril de 1966
Foi um dia de primavera que começou e acabou como
todos os outros, pelo menos aparentemente, diria ela, ou melhor, era natural
que o pensasse; nunca foi pessoa de muitas falas. Dizia o necessário, mas
reduzido ao mínimo indispensável, ou então um necessário que depressa se
cansava, se detinha a meio caminho, como se ele se desse subitamente conta de
que não valia a pena prosseguir, porque isso era um esforço inútil. Ficava
então quieta, sem gestos, hesitante à beira das reticências como alguém à beira
de água de inverno, e nesses momentos o seu olhar perdia todo o brilho, era
como se um mata-borrão o houvesse absorvido, talvez ainda seja assim, não se,
nunca mais a vi. Durante muito tempo não consegui compreender que esses
desmaios, porque o eram, a conduziam invariavelmente ao mesmo lugar, ou melhor,
à mesma pessoa, à mesma imagem danificada de pessoa, porque, como já disse, não
era mulher que se confessasse. As palavras não lhe serviam para explicar o seu
pensamento perfeiçoando-o ou disfarçando-o, como é mais ou menos hábito de toda
a gente.
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