quarta-feira, 1 de março de 2017

ÉRAMOS FARINHA DO MESMO SACO


Nunca tinha estado na Califórnia. Dava a impressão de que era um sítio de alguma raça especial e encantadora. Sabia que os filmes vinham de lá e que havia um clube de folk em Los Angeles chamado Ash Grove. No Folklore Center tinha visto cartazes de espectáculos de folk no Ash Grove e sonhava lá tocar. Mas parecia tão distante. Nunca pensei que lá conseguisse chegar. Aconteceu que não só lá fui lá, como acabei por desviar por completo caminho do Ash Grove e, quando finalmente cheguei à Califórnia, as minhas canções e reputação tinham-me precedido. Tinha discos na Columbia e tinha tocado no Auditório Cívico de Santa Mónica e conhecido todos os artistas que tinham gravado as minhas canções – artistas como The Byrds, que gravaram «Mr. Tamburine Man», Sonny and Cher, que cantaram «All I Really Want to Do», The Turtles, que gravaram «It Ain’t Me, Babe», Glen Campbell, que tinha lançado «Don’t Think Twice» e Johnny Rivers que gravara «Positevely 4th Street».
De todas as versões feitas das minhas canções, a do Johnny Rivers era a minha favorita. Era óbvio que vínhamos da mesma zona da cidade, que tínhamos andado a ler as mesmas citações, vínhamos da mesma família musical e éramos farinha do mesmo saco. Quando ouvi a versão do Johnny da «Positevely 4th Street» gostei mais da versão dele do que da minha. Ouvi-a vezes sem conta. A maior parte das adaptações das minhas canções dava a impressão de que tinham saído completamente ao lado, mas a versão do Rivers tinha o meu total apoio – a atitude e sentimento melódico capaz de completar e superar o estado de espírito que eu tinha posto nela. Para ser franco, não me devia ter surpreendido. Ele tinha feito o mesmo como «Maybellene» e «Memphis», duas das canções do Chuck Berry. Quando ouvi o Johnny cantar a minha canção, percebi que a vida tinha o mesmo impacto nele que tinha em mim.

Bob Dylan em Crónicas

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