sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

NÃO TER O DOMINGO VALIDO A PENA


Ricardo Reis rodeou a praça pelo sul, entrou na Rua dos Douradores, quase não chovia já, por isso pôde fechar o guarda-chuva, olhar para cima, e ver as frontarias de cinza parda, as fileiras de janelas à mesma altura, as de peitoril, as de sacada, com as monótonas cantarias prolongando-se pelo enfiamento da rua, até se confundirem em delgadas faixas verticais, cada vez mais estreitas, mas não tanto que se escondessem num ponto de fuga, porque lá ao fundo, aparentemente cortando o caminho, levanta-se um prédio da Rua da Conceição, igual de cor, de janelas e de grades, feito segundo o mesmo risco, ou de mínima diferença, todos porejando sombra e humidade, libertando nos saguões o cheiro dos esgotos rachados, com esparsas baforadas de gás, como não haveriam de ter as faces pálidas os caixeiros que vêm até à porta das lojas, com as suas batas ou guarda-pós de paninho cinzento, o lápis de tinta entalado na orelha, o ar enfadado de ser hoje segunda-feira e não ter o domingo valido a pena.

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