quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

SILÊNCIOS



                                                             Homenagem a Fernando Lopes-Graça

Frémito
ou minuciosa dança
talvez um murmúrio de glória
ínfima
um passo
de sílabas

um luminoso
espectro

em obscura cave

um eco de música
num país silencioso

uma pedra
se levanta leve e alta
sobre uma invisível cicatriz

antigas claras vozes
elevam-se de um rio
como ramagens de água

uma estrela pródiga e precária
cintila no limiar da página

um pássaro
obstinado
fractura
uma  porta
de pedra

acende-se o sentir sonoro
sobre a lenta passadeira do silêncio

fio fundo
de um espelho
flutuantes bosques
o tremor azul de uma mulher

entre fogos contrários
delicadas surpresas
traçam na areia
ténues linhas de água

ecos de uma sombra
entre pilares de névoa
túmulos e cúpulas
antenas breves
mandíbulas de insectos

por uma escada branca
desce um longo vestido
com sete galgos brancos
as duas mãos de sangue

um astro de chuva
cada gota é uma sílaba
de água silenciosa

suspende-se
a mão errante
num ramo de lágrimas
ou nos dedos da sede

uma fronte respira
uma página de pássaros
de tranquilos clamores

de imperceptíveis
e lentas
germinações
de olhos
de mãos
de tornozelos de lua

vagas flores
labirinto
de minúsculas guitarras
logaritmos
o fogo branco do vento
uma secção cónica

(harmoniosa
desarmonia)

alguns volumes cálidos
o mar os livros
minuciosa monotonia de uma música
o longínquo leque de um riso
os fragmentos lunares
as ruas os jardins
através da neblina azul

o gosto do sal
sobre o veludo da língua
o profundo odor de um nome
pré-natal
a tranquilidade clara
de um privilégio o enlace o desenlace
de uns veios de pedra

ou de dois pensamentos
como dois arcos
de água

o pulso toca uma pequena ilha
de orvalho
uma lâmpada submersa (o azul o verde)
de uma fresca antiguidade
acende-se
no coração errante

a lenta melodia
flui
com um punhado de imagens
quase dissolvendo-se
no anónimo
intermitente
idêntica

(sob o arco do olvido
pássaro de sombra
lâmpada
ou haste de silêncio
embriagada pela sede
da sua luz
minuciosa
mínima
apaixonada
no seu sentir
sonoro
pelo pólen do instante
de um ouro leve

de um alado refúgio)


António Ramos Rosa, inédito publicado no JL

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