domingo, 5 de junho de 2016

O LUTADOR CONTINUA SEMPRE


Odeio boxe, mas a morte de Muhammad Ali não pode deixar de trazer à lembrança o lutador pelos direitos dos negros nos Estados Unidos que ele foi.

Perdeu o seu último combate: doença de Parkinson.

No gosto de boxe, mas gosto de pugilistas que dizem palavras como: eu sei que tive sucesso enquanto os negros estão num inferno. Mas enquanto eles não forem livres eu não sou livre, ou quanto mais ajudamos os outros, mas nos ajudamos a nós próprios, ou o impossível é apenas uma grande palavra usada por gente fraca, que prefere viver no mundo como ele está, em vez de usar o poder que tem para mudá-lo, melhorá-lo, ou impossível não é um facto, é uma opinião, impossível não é uma declaração, é um desafio. O impossível não existe, ou os campeões não são feitos em academias. Os campeões são feitos de algo que eles têm profundamente dentro de si — um desejo, um sonho, uma visão, ou a amizade é a coisa mais difícil do mundo de se explicar. Não é uma coisa que se aprende na escola. Mas, se não aprendem o significado da amizade, na verdade não aprenderam nada.

Ou ainda que atiram, ao Rio Ohio, a medalha de ouro conquistada nos Jogos Olímpicos de Roma em 1960, porque recusaram servi-los num restaurante por serem negros ou que preferem ficar sem títulos a terem que entrar no exército norte-americano, ou que passaram uma boa parte da vida lutando contra a Guerra do Vietnam.

Simon e Garfunkel têm uma lindíssima canção a que chamaram O pugilista.

Sabe bem pô-la a rodar, no tempo em que Muhammad Ali nos deixou:

Sou apenas um pobre rapaz.
apesar de a minha história ser raramente contada,
esbanjei as minhas energias
por uma mão cheia de murmúrios,
tais como promessas.
Tudo mentiras e gracejos
Contudo um homem só ouve o que quer ouvir
e não liga ao resto.
Quando deixei a minha casa
e a minha família.
não era mais do que um rapaz
na companhia de estranhos
na quietude da estação de comboio,
assustado,
vivendo na miséria,
procurando os bairros mais pobres
onde vão as gentes esfarrapadas
procurando os lugares
que só eles poderiam conhecer.
Pedindo apenas um salário de operário
procurei  um emprego, mas não tive ofertas,
apenas um «vamos» das prostitutas da Sétima Avenida.
E declaro
que houve tempos em que me senti tão só
que só ali encontrei algum conforto.
Então começo a preparar as minhas roupas de Inverno
desejando poder ir
para casa
onde os invernos de Nova Iorque
não me façam sangrar,
não me firam,
vou para casa.
No largo está um pugilista,
lutador de profissão,
que carrega as lembranças
de todas as luvas que o derrubaram
ou o cortarem até ele gritar
na sua raiva e vergonha
«vou-me embora vou-me embora»
mas o lutador continua sempre.

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